Título: Alfonsín, Menem e as relações cívico-militares. A construção do controle sobre as Forças Armadas na Argentina democrática (1983-1995) - Capítulo quinto - Menem e a revisão do passado autoritário
CAPÍTULO QUINTO
MENEM E A REVISÃO DO PASSADO AUTORITÁRIO
5.1) Os primeiros indultos.
A ocupação dos quartéis de La Tablada originou uma renovada e encoberta pressão dos comandantes militares sobre o debilitado presidente Alfonsín, a favor de uma solução política dos julgamentos e das sanções que pesavam sobre os ex-comandantes do PRN, pressão que foi sustentada pela crítica situação econômico-social e política em que se encontrou imerso o governo radical logo após a hiperinflação produzida em fevereiro de 1989. No entanto, tal como já se afirmou, a demanda militar por indultos, reduções de penas e/ou anistias não estava dirigida exclusivamente a Alfonsín, mas também objetivava condicionar o futuro governo constitucional que surgiria das eleições programadas para 14 de maio desse ano.
Tudo isso se desenrolava em um contexto em que a paulatina desintegração política do governo radical reforçava a possibilidade de um triunfo peronista nas eleições de maio, o que colocava o candidato do PJ, Carlos Menem, no centro da atenção da opinião pública e, particularmente, das expectativas das cúpulas militares.
Nesse cenário, o líder proveniente de La Rioja entendia que sua praticamente segura chegada ao governo nacional, devia contar com um claro respaldo militar à sua gestão, como um elemento a mais na criação de condições favoráveis à ampliação de suas margens de governabilidade diante da profunda crise social, econômica e institucional que se abatia sobre o país. Segundo sua perspectiva, isso somente seria possível ao estabilizar-se as relações cívico-militares e projetando as Forças Armadas como um básico fator de poder em sua coalizão governamental, e também como uma reserva de forças para fazer frente a eventuais mobilizações desestabilizadoras da oposição, em função do qual devia resolver as duas principais questões de conflito herdadas da gestão alfonsinista. A primeira dessas problemáticas girava em torno de uma solução política para a revisão judicial do passado, isto é, a demanda militar por uma medida governamental -anistia, redução de penas e/ou indulto- que beneficiasse aos poucos fardados que ainda estavam acusados judicialmente e aos ex-comandantes incluídos no processo que tinham sido condenados pela perpetração de crimes e violações de direitos humanos. A outra problemática estava dada pela ativa presença no interior do exército do setor político carapintada, e o enfrentamento político mantido entre estes e a direção do EMGE.
Com relação à revisão do passado, ao final do ano anterior, Menem já tinha recusado enfaticamente a promulgação de uma anistia como meio de resolver definitivamente tal questão.
Yo no estoy de acuerdo con la amnistía y creo que es una concepción inaceptable [...]. Habrá que buscar formas que reviertan las falencias de la política de Defensa oficial, pero eso tampoco se consigue por el mero trámite de una amnistía.725
Em 25 de fevereiro, o Congresso Nacional do PJ aprovou a plataforma eleitoral desse partido para as eleições de maio. Com o subtítulo "Defesa democrática, tutela da soberania e a paz", o justicialismo afirmou que a "reconciliação da sociedade argentina" não deveria excluir as forças armadas, mas que a sua inclusão em um "projeto comum" baseado na "vontade soberana do povo" não devia supor modificações "forçadas ou arbitrárias" das seqüelas do passado, com o qual recusou-se todo tipo de anistia ou indulto como um meio de revisão institucional desse passado.
El justicialismo ha reiterado que no admite una modificación forzada o arbitraria de las consecuencias de los hechos del pasado, que dañaría gravemente la conciencia y las instituciones del pueblo argentino.726
Entretanto, a ocupação de La Tablada tinha servido para que os chefes militares reativassem tanto a demanda de alguma medida governamental -anistia, redução de penas e/ou indulto- que beneficiasse aos poucos fardados ainda acusados judicialmente e aos ex-comandantes condenados, assim como a declarada reivindicação da ação das Forças Armadas no passado autoritário. Ainda que, naquele momento, só restassem aproximadamente vinte ex-comandantes militares acusados judicialmente e desde a aplicação das leis de Ponto Final e de Obediência Devida a questão do passado tinha deixado de ocupar o centro do cenário político, a crítica situação que o governo nacional atravessava e o fato de encontrar-se no meio de uma campanha eleitoral extremamente polarizada, induziram as cúpulas militares a redobrar a pressão em favor daquelas medidas. Também, com isso, tentaram condicionar, de algum modo, o futuro governo e tomar partido dos eventuais pactos de transição governamental que se produzissem. Porém, as divisões internas existentes nas Forças Armadas, particularmente no Exército, cercearam a possibilidade de que tal pressão tivesse êxito. Além disso, não foram poucas as ocasiões em que numerosos dirigentes, legisladores e funcionários do radicalismo recusassem a possibilidade de que se viabilizassem indultos ou anistias antes da transmissão do poder e sob pressão militar. Do mesmo modo, foram numerosas as oportunidades em que tanto Menem como seu porta-voz em temas militares, Roberto Dromi, e numerosos dirigentes peronistas, se manifestaram contra esse tipo de medidas. Definitivamente, o avanço militar sobre assuntos de segurança interna não teve êxito na hora de obter consenso social e político em favor de uma anistia ou uma série de indultos, o que dissipava a possibilidade de que as Forças Armadas tivessem um papel relevante na dinâmica política em curso.727
Apesar disso, os comandantes militares formularam, em reiteradas ocasiões, a necessidade de encontrar uma saída política para a questão da revisão do passado. Assim o manifestou claramente o Brigadier Crespo quando, no dia 4 de maio, reivindicou uma iniciativa com o propósito de "solucionar" os poucos processos judiciais ainda em curso e a "perdoar" as penas impostas aos antigos comandantes militares do PRN, como uma forma de chegar ao "reencontro nacional".
A mí me parecería bien que el futuro presidente y las próximas autoridades nacionales no se vean enfrentados a la necesidad de recomponer distintos sectores de la sociedad; es decir, que encuentren una sociedad más tranquila, más serena, más compacta, tratando de solucionar los problemas del país [...]. Yo no lo llamaría indulto; no lo llamaría nada. Creo que es necesario un reencuentro a nivel nacional que si lleva incluido el perdón, la conmutación de la pena o algo por el estilo, a mí me parece adecuado.728
Ao mesmo tempo, o General Gassino havia feito circular entre parlamentares e políticos um projeto legislativo com a intenção de modificar a lei 23.521 de Obediência Devida objetivando "eximir de sanção legal" a todos os militares que tivessem sentença inapelável no momento de promulgação da mesma.729-
Nesse ponto, ninguém duvidou de que tal proposta não somente se dirigia ao governo radical, mas também, principalmente, ao vencedor das eleições presidenciais nacionais programadas para o dia 14 de maio. Somente a UCD tinha se manifestado oficialmente a favor da conclusão dos julgamentos contra os fardados e da redução de penas impostas aos ex-comandantes do PRN, mas tinha recusado uma anistia em função de que esta supunha o reconhecimento da perpetração de delitos e, na verdade, o que houve nos anos 70, segundo indicaram seus porta-vozes, foi "uma guerra na qual ganharam as Forças Armadas".730 De sua parte, tanto o governo como o peronismo acreditavam inoportuna qualquer medida desta índole, considerando que as mesmas gerariam uma forte rejeição da sociedade civil e política, e não contribuiriam a solucionar a questão da revisão do passado. Assim expressou o candidato presidencial do PJ Carlos Menem, quem nesses dias recusou enfaticamente a possibilidade de uma lei de anistia e sustentou que seu projeto de "pacificação nacional" consistia em uma "solução integral dos mais graves problemas que enfrenta o país"731 Tal posição foi reiterada em inúmeras ocasiões pelo próprio Menem e por outros dirigentes e porta-vozes justicialistas.732
Como era de se esperar, no dia 14 de maio, a fórmula presidencial do PJ composta por Carlos Menem e Eduardo Duhalde obteve uma ampla vitória nas eleições nacionais -recebeu 49% dos votos- e resultaram eleitos, respectivamente, presidente e vice-presidente da Nação.733 Passados quinze dias desses comícios, em 29 de maio, durante a comemoração do dia do Exército, o General Gassino reivindicou a ação militar durante a ditadura passada e pediu o reconhecimento da sociedade a essa ação. Nessas circunstâncias, solicitou medidas que permitissem que os ex-comandantes e chefes condenados pudessem recuperar sua liberdade e também a anulação dos processos de mais de vinte militares ainda acusados pela sua participação na repressão no período do Processo. Sua mensagem, claramente, não se dirigia ao debilitado presidente Alfonsín, mas sim ao presidente eleito.734
Então, com aquele resultado eleitoral, o desprestígio governamental, a visível perda de capacidade para enfrentar a crítica situação social caracterizados pelo aumento das situações de violência, os saques a supermercados e roubos de caminhões que transportavam mercadorias começaram a aumentar. Os sucessivos fracassos das políticas de ajuste implementadas durante a gestão de Alfonsín, os conseqüentes desequilíbrios macroeconômicos e a profunda crise social que o contexto hiperinflacionário tinha desatado, debilitaram e foram cerceando a capacidade de governabilidade estatal sobre a economia e quase dissiparam a necessária autonomia com a que devia contar o governo e o Estado para recompor a situação e alcançar certa estabilidade institucional e econômica. Isto gerou um acentuado mal-estar social contrário ao governo radical.
A resposta de Alfonsín não se fez esperar e, convencido de que tal situação respondia à ação de certos grupos subversivos e da oposição partidária e corporativa, ordenou, no começo de junho, que se iniciassem tarefas internas de inteligência com o intuito de detectar tais grupos, observando as condições estabelecidas pelo decreto 327/89735. Tratava-se da reação de um governo que já não tinha capacidade de governar e que, frente a esse sombrio panorama, se submetia ao avanço militar sobre as questões de segurança interna. Nesse contexto, e convencido de que nessas condições sua administração não chegaria ao mês de dezembro, Alfonsín iniciou negociações com o presidente peronista eleito de modo a transmitir o poder durante o mês seguinte.736
No dia 8 de julho, Carlos Menem assumiu a presidência da Nação e, no discurso inaugural do seu mandato, propôs a necessidade de realizar "um gesto de pacificação, de amor, de patriotismo para superar os cruéis momentos que nos dividiram há mais de uma década" e, desse modo, "passar esta página dolorosa".737 Entretanto, a ambigüidade de Menem em definir como levaria a cabo a proclamada "pacificação e reconciliação nacional" e a nova reivindicação militar a favor de uma solução política para os condenados e processados por graves violações aos direitos humanos cometidas durante a repressão na ditadura, deu lugar a um amplo debate em cujo âmbito a possibilidade de que o novo governo decidisse um indulto, uma anistia e/ou uma redução de penas começou a adquirir corpo.
No começo de junho, o promotor da Câmara Federal da Capital Federal, Dr. Luis Moreno Ocampo, declarou que "a melhor forma de conciliação na Argentina foram e são os julgamentos", dado que, através deles, "a justiça tentou defender valores básicos" sem prender-se a "se quem os violava era um guerrilheiro ou um general".
Los juicios fueron la respuesta al problema de la violencia. Fueron necesarios para evitar la venganza. Históricamente el Estado se hace cargo de la persecución penal para evitar la venganza entre los particulares víctimas de delitos. Por eso es una confusión creer que los juicios son un problema. El problema argentino fue el acostumbramiento a la violencia como una forma de hacer política. Y eso, y sobre todo porque eran hechos cercanos, podía originar venganzas. Por eso los juicios fueron una solución adoptada por todos los dirigentes políticos argentinos para conocer la verdad y condenar la violencia cualquiera sea su origen. Los juicios no fueron una forma de encarar el pasado. Dieron respuesta al problema de la violencia en la Argentina [...].738
E, numa óbvia alusão a um eventual indulto ou anistia, Moreno Ocampo acrescentou que "desconsiderar essa questão" teria "um efeito mais devastador que a inflação".
Poucos dias depois, o dirigente peronista -e, naquele momento, o futuro ministro de Defesa do governo de Menem- Dr. Ítalo Argentino Luder, afirmou que "a concessão de um indulto ou de uma redução de pena" era uma "responsabilidade exclusiva do poder executivo" que o presidente eleito estava analisando, sem descartá-las como prováveis medidas para solucionar o "problema militar". Por outra parte, refutando as afirmações de Moreno Ocampo, Luder afirmou que durante a gestão radical tinha ocorrido uma "anistia encoberta" que se instrumentalizou com as sanções das leis de Ponto Final e de Obediência Devida, através das quais se "eximiram de responsabilidade mais de mil acusados", aceitando a justiça a constitucionalidade dessas normas e sem que elas produzissem situações de violência.739 Deste modo, Luder estava antecipando a possibilidade de que Menem viabilizasse algum tipo de medidas dessa índole.
No dia 12 de julho, ou seja, quatro dias depois de ter assumido como presidente da Nação, Menem designou os Generales Isidro Bonifácio Cáceres e Martín Bonnet, como chefe e subchefe do EMGE, respetivamente. Tratava-se de oficiais de caráter pró-institucional que tinham agido com destaque na guerra de Malvinas e que, ao mesmo tempo, se mostravam dispostos a excluir da corporação os carapintada e a todos os quadros ou setores que desenvolveram comportamentos contrários à hierarquia e à disciplina. Ao mesmo tempo, eram e se expressavam como obstinados defensores da subordinação militar às autoridades constitucionais, com o qual assumiam uma orientação diferente da seguida por seus antecessores na condução da División. Não obstante, na ocasião em que assumiu como titular do Exército, o General Cáceres afirmou que estava esperançoso de que se pudessem alcançar "soluções para a seqüela da guerra contra a subversão", guerra que qualificou como legítima e na qual reconheceu que se tinham cometido numerosos erros.
Creemos contar con la comprensión ciudadana en cuanto hemos luchado legítimamente en defensa de los valores del ser nacional argentino. Reconocemos que pudimos haber cometidos errores como todo el resto de la sociedad; el estado de postración de la patria es la muestra evidente del error de todos los argentinos.740
No dia 15 de julho, Cáceres reiterou esses conceitos quando, em um ato público, afirmou que o Exército via com bons olhos "todo ato que cauterize as feridas do passado" e, depois de pedir a compreensão da sociedade "pelos excessos cometidos" durante a luta contra a subversão, reivindicou "uma solução para os julgamentos em curso ou às sanções pela guerra anti-subversiva e inclusive pela de Malvinas".741
Ou seja, em que pese à ampla anulação de processos de militares julgados logo depois das leis de Ponto Final e de Obediência Devida, à possibilidade concreta de que Menem viabilizasse uma medida que beneficiasse aos poucos ex-chefes militares ainda processados e aos ex-comandantes condenados, e a que Cáceres pertencesse a um setor interno que criticava seus antecessores, a reivindicação pública da ação das Forças Armadas durante a luta contra a subversão e a exigência de uma solução política aos processos pendentes e aos ex-comandantes do processo que purgavam suas responsabilidades na prisão continuava sendo uma constante no discurso militar.
Pois bem, com um tom diferente ao de Cáceres, em começos de agosto, alguns dos militares julgados pela sua intervenção na repressão ilegal afirmaram que a verdadeira reconciliação nacional passava pela reivindicação da luta contra a subversão. Assim, o General (R) Luciano Benjamín Menéndez apontou a impossibilidade de se concretizar uma verdadeira pacificação devido a que "o inimigo continua empenhado em destruir nossa liberdade nacional e individual".
La solución es que el pueblo argentino, objeto y sujeto de esta guerra, reivindique a los soldados que lo defendieron de la agresión marxista. Y rechace a los marxistas que lo atacaron y lo atacan, expulsándolos para siempre de su vida cívica, cualquiera sea el método que utilicen.742
Nesse mesmo sentido, o General (R) José Luis Sexton, no dia 17 desse mês, assim que a Corte Suprema de Justiça decretou sua liberdade no âmbito do processo a que estava sujeito, afirmou que o ex-General Jorge Videla "não vai ficar muito contente com o indulto" devido a que uma eventual medida deste tipo significaria "um perdão a alguém que se considera que não cometeu um delito, não é muito, muito do seu agrado". Acrescentou, de todos modos, que acreditava necessário dar "alguma solução à questão militar" e que, nesse sentido, um indulto presidencial bem poderia supor "o primeiro passo para a necessária reivindicação da luta anti-subversiva"743.
Em 22 de agosto, o ministro do Interior Eduardo Bauzá afirmou que era necessário "cicatrizar as antigas feridas para poder construir um futuro de paz" e, nessas circunstâncias, especificou que o indulto presidencial seria "uma contribuição à pacificação" e significaria uma solução para a "questão militar".744
Frente àquela exigência militar e diante das crescentes manifestações oficiais favoráveis à viabilização de uma série de indultos que beneficiassem aos 19 oficiais -17 Generales e 2 Almirantes- processados pela perpetração de crimes cometidos durante a repressão no período do processo, os organismos de direitos humanos e os partidos e setores políticos que se opunham a essa medida iminente realizaram o 8 de setembro uma multitudinária manifestação em todo o país, da qual participaram mais de cento e cinqüenta mil pessoas sob a palavra de ordem "pela verdade e pela justiça, contra o indulto". Um dos agrupamentos mais numerosos se constituiu por militantes e simpatizantes peronistas que se opunham ao indulto e que era encabeçada por um grupo de deputados justicialistas eleitos em maio. Também se destacavam os agrupamentos dos partidos de esquerda e o conformado pelo radicalismo.745
Em 18 de setembro, o presidente Menem confirmou oficialmente que o governo ia implementar uma primeira leva de indultos que beneficiariam a todos os militares e civis acusados pela sua participação na perpetração de crimes durante a luta anti-subversiva e por sua intervenção nas três rebeliões carapintada ocorridas até então. Esta medida, já decidida, era, em sua opinião, "uma resposta à necessidade de reconciliação para pacificar o país".
Tengo autoridad más que suficiente para tomar medidas que hagan cicatrizar estas viejas y torpes heridas que humillan la dignidad de todo un pueblo, incluidas las instituciones que son parte de él [...]. Para terminar definitivamente con esto, voy a adoptar una resolución, con toda la responsabilidad, como siempre lo hice en toda mi vida política, sin comprometer a nadie [...]. No estoy especulando con mi caudal político, sino simplemente con la necesidad que tiene la Argentina de un reencuentro definitivo.746
No interior do PJ, o grosso dos dirigentes se mostrou partidário da medida anunciada por Menem, embora alguns poucos o fizessem com um tom de crítica, como o governador da Província de Buenos Aires Antonio Cafiero, quem, na ocasião, declarou que o indulto deveria ser acompanhado pelo "arrependimento dos beneficiados" e "pelo assumir de responsabilidades concernentes a todos os argentinos"747 Nos mesmos termos se pronunciou o Conselho Nacional do PJ, ainda que o fizesse reconhecendo o "valor cívico do Presidente" por levar a cabo tal medida.748
Conseqüente com aquela declaração, o 6 de outubro de 1989, Menem promulgou o decreto 1.002/89749 mediante o qual indultou a maioria dos militares acusados e a alguns condenados por sua responsabilidade na execução de numerosos delitos perpetrados durante a repressão ilegal à subversão entre os anos de 1976 e 1983, e cujas causas estavam sendo ou tinham sido sumariadas nas Câmaras Federais da Capital Federal, San Martín, Bahía Blanca, Paraná, Resistencia, Rosario e Córdoba, e em diferentes jurisdições nacionais e federais de primeira instância. Os beneficiados pela medida foram os Generales (R) Albano Harguindeguy, José Montes, Juan Batista Sasiaíñ, Andrés Ferrero, Carlos Olivera Rovere, Adolfo Sigwal, Santiago Omar Rivero, Leopoldo Galtieri, Ramón Díaz Bessone, Juan Carlos Trimarco, Luciano Jáuregui, Abel Catuzzi, Acdel Vilas, Cristino Nicolaides, Wenceslao Ceniquel, Luciano Benjamín Menéndez, Jorge Maradona, Juan Saa, Mario Lépori, Reynaldo Bignone, e Llamil Reston; os Coroneles Oscar Zucconi, Jorge Larrateguy, Francisco Molina, Carlos Ramírez, Carlos Lacal, Carlos Tepedino, Julio César Bellene e Alberto Barda; o Teniente Coronel Carlos Barbot; os Vice Almirantes Antonio Vañek, Julio Torti, Luis María Mendía e Juan José Lombardo; os Contra Almirantes Juan Carlos Malugani e Raúl Marino; os Capitanes de Navio Edmundo Núñez e Zenón Bolino. Somavam, em total, 38 oficiais da reserva, dos quais 30 pertenciam ao Exército e 8 à Marinha.
Por sua parte, nesse mesmo dia, o poder executivo também promulgou o decreto 1.003/89750 através do qual indultou a 64 membros de organizações guerrilheiras que tinham atuado na década de 70 e que estavam sendo processados ou tinham sido condenados pela sua intervenção em ações subversivas ou terroristas, entre os quais se encontravam destacados dirigentes montoneros como Fernando Vaca Narvaja, Roberto Perdía, Oscar Bidegain e Rodolfo Galimberti.
Ambos decretos possuíam os mesmos fundamentos e reproduziam argumentos semelhantes aos esboçados por Alfonsín e pelo radicalismo na oportunidade da remessa dos projetos de leis de Ponto Final e de Obediência Devida ao congresso, particularmente no que se refere à necessidade da "reconciliação nacional". Ali se interpretava que "as seqüelas dos enfrentamentos ocorridos entre os argentinos" desde duas décadas atrás agiam como "constante fator de perturbação do espírito social" e impediam "alcançar os objetivos de harmonia e união" cuja defesa devia ser prestada pelo poder executivo. Esses "desencontros" -que eram vistos pelo governo como "uma responsabilidade última" de "todos como integrantes e partícipes de uma comunidade juridicamente organizada"- ainda sobreviviam devido à "insuficiência" das medidas implementadas desde a "restauração plena das instituições constitucionais".
La idea fuerza de este tiempo es la de reconciliación. Los argentinos tenemos que reconciliarnos y conseguir, así, la paz espiritual que nos devuelva a la hermandad. Jamás la obtendremos si nos aferramos a los hechos trágicos del ayer cuyo solo recuerdo nos desgasta y nos enfrenta.751
No que se refere ao significado político da medida decretada, o poder executivo pretendeu hierarquizar a iniciativa outorgando-lhe o caráter de política de Estado e assumindo a responsabilidade exclusiva pela mesma, sem outras justificativas que não fossem as mencionadas. Nesse sentido, definiu-se os indultos como uma "decisão de alta política" que apontava a "criar as condições para a pacificação nacional", ainda que nada indicasse que se estivesse vivendo uma situação de guerra. Também, o governo peronista, cujos dirigentes e legisladores durante o mandato de Alfonsín tinham reivindicado, em sua maioria, que a revisão do passado se fizesse por via jurídica, sem restrições e sem interferências restritivas ou condicionantes do poder executivo, reconheceu que a mencionada iniciativa significava o sacrifício de "convicções óbvias, legítimas e históricas". Era visível a mudança de perspectiva.
[...] es responsabilidad indelegable del Poder Ejecutivo Nacional anteponer el supremo interés de la Nación frente a cualquier otro, y en su virtud afrontar el compromiso que implica esta decisión de alta política. [...] esta medida es sólo un mecanismo político, constitucionalmente previsto para crear las condiciones de la pacificación nacional. No implica en manera alguna que estos objetivos hayan sido alcanzados, ni que esté garantizado alcanzarlos; es una más entre las muchas medidas que el Gobierno Nacional, sacrificando convicciones obvias, legítimas e históricas, está dispuesto a propiciar para lograr la pacificación de la República. [...] el Poder Ejecutivo Nacional pretende, así, crear las condiciones y el escenario de la reconciliación, del mutuo perdón y de la unión nacional. Pero son los actores principales del drama argentino, entre los cuales también se encuentran quienes hoy ejercen el Gobierno, los que con humildad, partiendo del reconocimiento de errores propios y de aciertos del adversario, aporten la sincera disposición de ánimo hacia la reconciliación y la unidad.
Com relação à norma jurídica, e apoiado em certa doutrina estabelecida pela Corte Suprema de Justiça (que é o tribunal supremo no nivel federal), o governo afirmou que era "procedente o indulto tanto em relação aos condenados quanto àqueles que se encontram sujeitos a processo", dado que, segundo sua compreensão, a faculdade de indultar exigia uma causa aberta contra o destinatário da medida, ainda que tal causa não houvesse gerado sentença. Nesse sentido, e contrariamente ao afirmado e proposto pelo peronismo durante a gestão presidencial anterior, o governo interpretou que os indultos, enquanto faculdade própria do poder executivo, não supunham um cerceamento do trabalho da justiça.
[...] las medidas que se disponen, en tanto importan la no ejecución de la pena o la cesación del procedimiento respecto del indultado, no implican ejercer funciones judiciales, ni revisar actos de ese carácter o arrogarse el conocimiento de causas pendientes [...]. Mediante ellas no se decide una controversia ni se declara el derecho con relación a la materia del juicio, sino que se ejerce una facultad propia del Poder Ejecutivo, fundada en razones de orden jurídico superior, tendiente a contribuir a una verdadera reconciliación y pacificación nacional.
Em suma, Menem indultou a 279 militares e civis, e com isso permitiu iniciar a finalização da revisão judicial do passado iniciada com os decretos 157/83 e 158/83 promulgados por Alfonsín em dezembro de 1983, apenas reinstaurada a democracia. Entre os decretos de indulto não se incluíram aos ex-comandantes do PRN condenados pela Câmara Federal em dezembro de 1985, isto é, aos ex-Generales Jorge Rafael Videla e Roberto Viola, aos ex-Almirantes Emilio Massera e Armando Lambruschini e o ex-Brigadier Héctor Agosti, e tampouco ao ex-titular do I Corpo de Exército, General (R) Carlos Suárez Mason, aos ex-chefes da Polícia da Província de Buenos Aires, Generales (R) Ramón Camps e Pablo Riccheri, nem ao ex-chefe da organização Montoneros, Mario Eduardo Firmenich. Todos eles tinham sido condenados pela justiça em distintas causas. Contudo, no dia 7 de outubro, no momento de anunciar publicamente a assinatura dos polêmicos decretos, o presidente admitiu a intenção de promulgar num futuro imediato novos indultos que beneficiassem a estes ex-chefes militares e dirigentes da organização Montoneros. Também deu a entender que os indultos decretados não resultavam de supostas pressões militares em favor de tal medida, senão que respondiam à vontade do governo de colocar um ponto final à problemática existente e de "suturar as feridas", ainda reconhecendo que poderia estar equivocado e que, nesse caso, assumiria "as responsabilidades do erro".752
Alguns dias anteriores à execução das medidas, o General Isidro Cáceres tinha afirmado que se não se implementassem rapidamente os indultos prometidos, a manutenção dos processos judiciais contra os ex-chefes militares que não tinham sido beneficiados pelas leis de Ponto Final e de Obediência Devida acarretaria "graves conseqüências institucionais".753 Isso interpretou-se como uma ameaça. Vale dizer, o fato de que Menem tivesse assumido a responsabilidade exclusiva na decisão de viabilizar os referidos indultos não era suficiente para ocultar as evidentes pressões militares em favor de tal medida.
De qualquer maneira, Menem não estava disposto a permitir que os indultos fossem interpretados publicamente como resultado das reivindicações militares. Em conseqüência, no dia 8, se reuniu na residência presidencial de Olivos com o Coronel Seineldín, um dos militares indultados e férreo adversário do comandante do Exército e, depois de receber dele o seu agradecimento, reiterou que ia haver uma "segunda etapa do indulto" e que se reservava o momento para concretizá-lo conforme a evolução dos acontecimentos. Indicou, ao mesmo tempo, que não tinha nenhuma possibilidade de que os indultos fossem declarados inconstitucionais e acrescentou que não estava nos seus cálculos que "os indultos fossem do agrado de toda a comunidade", mas os justificou dizendo que eram a única forma de resolver a "pesada herança" recebida do governo anterior e que derivavam de "medidas que se tomaram já a algum tempo, como a do ponto final e a da obediência devida" .754
Através desta reunião, Menem não somente tomou distancia do General Cáceres no que se relacionava aos indultos, senão que, além disso, esboçou um argumento a favor de tal medida que reiteraria em numerosas ocasiões, a saber: os indultos apontavam a fechar o processo não concluído de revisão judicial do passado iniciado em 1983 e mal administrado por Alfonsín e o radicalismo, dando lugar a uma conflitante situação institucional que era observada pelo menemismo como uma pesada herança política que requeria uma rápida solução.
Entretanto, a opinião pública assumiu uma posição marcadamente contrária aos indultos implementados por Menem755 e, tal como já se tinha manifestado ao longo dessas semanas, a ampla maioria do espectro partidário, sindical e estudantil e a totalidade das organizações de direitos humanos se opuseram aos mesmos. Nestas condições, o deputado justicialista eleito Juan Pablo Cafiero se manifestou contra a medida e se perguntou "o que acontece num país onde se consolida um sistema no qual a impunidade tem poder?".756 Os democrata-cristãos Carlos Auyero e Matilde Quarraccino afirmaram, em conjunto com a dirigente da APDH Graciela Fernández Meijide, que "tanto a obediência devida e o ponto final alfonsinistas quanto o indulto menemista" constituíam "ataques selvagens à sociedade democrática"757 Com o mesmo sentido, mas com um traço singular, manifestou-se o deputado Leopoldo Moreau, titular do radicalismo da Província de Buenos Aires e destacado porta-voz do alfonsinismo durante os debates parlamentares que envolveram a sanção das leis de Ponto Final e de Obediência Devida, afirmando que o radicalismo se opunha ao indulto "porque uma das coisas que se deve consolidar na democracia é a justiça, e não se pode consagrar a impunidade".758 Ao mesmo tempo, os organismos de direitos humanos iniciaram uma ação conjunta de oposição aos indultos decretados, solicitando a declaração de inconstitucionalidade dos mesmos. Como eixo dessa campanha, estas entidades denunciaram que a medida imposta pelo governo era "irremediavelmente nula" dado que "não se pode indultar a um acusado", já que isso significaria "interferir no trabalho do poder judicial".759
Essas não eram, de todas as maneiras, as únicas expressões contrárias à iniciativa governamental. O General (R) Reynaldo Bignone, último presidente da ditadura do processo, também criticou a decisão governamental, ainda que, diferenciando-se da oposição partidária e social, fundamentou tal posição ressaltando que a medida não era "tão ampla como a gente tivesse desejado", ao qual acrescentou que as Forças Armadas "não vão desistir do seu propósito de combater a subversão onde quer que apareça".760
[...] mientras estén sus comandantes presos y no reivindicados, las Fuerzas Armadas están cuestionadas por su lucha contra la subversión [...]. Si lo que buscamos es la pacificación, ésta no se da por decreto, es un sentimiento del espíritu, son espíritus pacificados y la paz se rompe cuando alguien agrede [...] y acá los que rompieron la paz, los que agredieron, fueron los subversivos.761
Bignone expressava, na verdade, a posição castrense, aquela que a partir de então não somente se aferrou à demanda de alguma nova medida que beneficiasse aos membros das primeira Juntas Militares e aos outros chefes militares da ditadura do processo que continuavam cumprindo penas impostas pela justiça, mas também a que propôs como objetivo último a reivindicação política da ação militar das Forças Armadas durante aquela ditadura militar.
Menem, por seu lado, respondeu a esse conjunto de críticas reafirmando que "não estava nos seus planos que o indulto fosse do agrado de toda a comunidade", em função do qual reiterou estar disposto a levar a cabo uma segunda etapa de indultos que beneficiassem aos ex-comandantes do PRN. Defendeu a legalidade da medida e deu a entender que não existia nenhuma possibilidade de que os indultos fossem declarados inconstitucionais. Finalmente, justificou sua decisão entendendo-a como uma forma de fazer frente à "pesada carga" recebida do governo radical no que se referia à revisão do passado. Tratava-se, na sua opinião, de resolver a "pesada herança que recebeu este governo em função de medidas que se tomaram a algum tempo, como a do ponto final e a da obediência devida".762
De outra parte, alguns dias mais tarde, o ex-ministro de Defesa do radicalismo, Horacio Jaunarena, reconheceu que o ex-mandatário Raúl Alfonsín, em junho desse ano, lhe tinha oferecido ao então presidente eleito Carlos Menem a implementação de uma série de indultos selecionados que beneficiassem a alguns militares processados e condenados pelos crimes cometidos durante a luta anti-subversiva, e que tal oferecimento tinha sido recusado pelo dirigente peronista.763 O próprio Alfonsín, pouco tempo depois, reconheceu sua vontade de viabilizar tal medida em função de colocar um limite definitivo à problemática dos processos judiciais em curso, com o qual não somente reconheceu a conveniência da decisão menemista de indultar, senão que também a legitimou.764 Ainda assim, naquela ocasião, Menem recusou a proposta do radicalismo, tal como o comentou alguns anos depois.
[...] en medio de la crisis desatada por la hiperinflación y cuando ya estaba claro que su gobierno debía retirarse antes de cumplir su mandato, el doctor Alfonsín quiso que firmáramos juntos el decreto de los indultos, como si en ese momento nuestras rúbricas hubieran sido legítimamente equiparables. Dije que no porque no correspondía constitucionalmente, porque un presidente debe hacerse plenamente cargo de sus actos hasta el fin de su mandato, pero también me negué porque creía que de ese modo no se arreglaría un problema que lo que requería, como toda cuestión militar, era el ejercicio pleno del poder político.765
Na verdade, a recusa de Menem em acompanhar a Alfonsín em sua proposta indicou que aquele pretendia utilizar os indultos como uma medida que tendia a ampliar as margens de subordinação castrense ao seu mandato, já que entendeu que a demanda de ponto final à revisão do passado efetuada durante os últimos anos pelos sucessivos chefes militares constituía o principal obstáculo para esse objetivo e era a única reivindicação unificadora e com consenso existente no interior dos quartéis. Os indultos significariam, em conseqüência, a desarticulação dessa demanda e, com isso, a possibilidade certa de que as conflitantes relações cívico-militares articuladas durante os últimos anos pudessem se estabilizar sob a vigência plena de uma pauta institucionalizada de controle civil sobre as Forças Armadas. Menem, em definitiva, não esteve disposto a dividir tal oportunidade com o debilitado líder radical, cuja saída prematura da presidência foi vislumbrada pelo chefe peronista como um fato perfeito para impor uma série de condições institucionais que lhe permitissem ampliar sua projeção governamental, controlar a dinâmica dos sistema político e antepor-se com êxito a qualquer oposição exercida pelo radicalismo.
5.2) A segunda leva de indultos e o fim da revisão judicial do passado.
A fins de 1989, intensificou-se a exigência castrense a favor de um novo perdão presidencial. Em um programa de televisão, em 15 de dezembro, o General Isidro Cáceres manifestou a necessidade de que o governo implementasse uma série de novos indultos que beneficiassem aos ex-comandantes de processo que se encontravam presos, cumprindo a pena imposta em 1985. Expressou que aquilo era inevitável em função de se chegar à plena "pacificação e reconciliação" declarada pelo governo.
La pacificación y reconciliación de los argentinos es un tema que no está terminado, ya que tenemos a nuestros comandantes cumpliendo una condena y hay que terminar con esta situación, porque para el Ejército el problema sigue latente con el hecho de que los tengamos detenidos [...]. Por lo tanto, es necesario ampliar esa magnanimidad de corazón y ese espíritu que queremos para avanzar hacia objetivos de grandeza en la República.766
Entretanto, o chefe do Exército não se limitou a reiterar a mencionada exigência senão que, além disso, reivindicou novamente a luta contra a "subversão marxista" afirmando que tal empresa "permitiu este estado de direito do que hoje gozamos". Na sexta, dia 22, os chefes militares das três Forças Armadas -General Cáceres, Brigadier José Juliá e Contra Almirante Jorge Ferrer- e o chefe do EMCO, Vice Almirante Emilio Ossés, ratificaram o conteúdo daquelas manifestações, visitando, no Penal Militar de Magdalena, aos ex-comandantes do PRN que se encontravam detidos nesse presídio.767
Essas manifestações se deram em uma conjuntura marcada pela ratificação governamental de consumar uma nova leva de indultos em favor dos ex-chefes do processo, ainda que, tal como deu a entender o próprio presidente Menem, ele reservasse para si a decisão final acerca do momento e dos termos legais para a efetivação dos mesmos. No sábado, 23 de dezembro, foi o ministro de Defesa, Ítalo Luder, quem explicou que Menem assumiria "pessoalmente" a responsabilidade dos futuros indultos em função de "evitar um debate nacional" ao respeito, ainda que esclarecesse que o mandatário tinha decidido postergar para uma ocasião mais oportuna a efetivação da medida.
Por ahora, lo único que hay es eso, una decisión presidencial que se hará conocer en el momento oportuno y dentro de los márgenes legales que se consideren adecuados [...]. El país no debe entrar en un debate al respecto, sino respetar la decisión que el presidente adopte en función de sus facultades constitucionales que no le pueden ser negadas y que no son revisables judicialmente tampoco.768
Uma vez mais, o governo tornava a anunciar sua vontade de ampliar os benefícios do indulto a quem tinha conduzido a luta contra a subversão no âmbito do terrorismo de Estado desencadeado durante a última ditadura, mas não considerava esse momento oportuno para levar a cabo tal procedimento.
Essa revelação, no entanto, não aplacou a ansiedade militar em favor da liberdade dos ex-comandantes presos. Coerente com essa posição, em 13 de janeiro de 1990, o subchefe do Exército, General Martín Bonnet, voltou a exigir a execução do perdão presidencial.
La intención y la más profunda voluntad de todo quien viste un uniforme, es ver a sus comandantes gozando de la libertad.769
Tratava-se, pois, da resposta militar à negação do mandatário em efetivar com urgência tal decisão. Nessa conjuntura, Menem reiterou seu desejo de postergar a implementação dos indultos exigidos e aguardar um momento propício para tal. Na quarta-feira, 17 de janeiro, o mandatário peronista afirmou, no âmbito de um jantar oferecido pelo comando do Exército no Regimento de Granadeiros General San Martín, que ainda não existiam condições políticas e sociais -"quadro político", segundo afirmou- para "perdoar" aos ex-comandantes do processo.770 De todos modos, a cúpula das Forças Armadas, e em particular a do Exército -que atravessava um forte conflito interno entre o comando da arma e o setor carapintada-, não deixou de expressar publicamente aquela reivindicação e de manifestar, em quantas oportunidades houveram, a necessidade de que fosse politicamente reivindicada a anterior ação militar na luta contra a subversão.
Nesses meses, estes posicionamentos se realizavam em um contexto marcado pelo desejo do poder executivo de habilitar legalmente a intervenção operacional das Forças Armadas para a solução de conflitos, saques e/ou levantamentos sociais derivados da crítica situação sócio-econômica pela qual atravessava o país. O comando do Exército, por sua parte, se mostrou inclinado a viabilizar tal intervenção no âmbito de uma necessária modificação das normas legais que o impediam, particularmente da lei 23.554 de Defesa Nacional.771 Em inúmeras ocasiões, o General Cáceres sugeriu que persistia, na Argentina, o fenômeno subversivo, e que o mesmo tinha adotado uma "nova metodologia de ação insurrecional de massas com a presença de setores marginais da população", tal como o expressou durante o ato de comemoração do primeiro aniversário da ocupação do quartel de La Tablada. Isso justificava, segundo este comandante, a participação militar na solução desses acontecimentos.772