AS MULHERES CHEGAM AOS QUARTÉIS1

Suzeley Kalil Mathias
Enero 2005


quando um indivíduo ou um grupo de indivíduos é mantido numa situação de inferioridade, ele é de fato inferior; mas é sobre o alcance da palavra ser que precisamos entender-nos; a má-fé consiste em dar-lhe um valor substancial quando tem o sentido dinâmico hegeliano: ser é ter-se tornado, é ter sido feito tal qual se manifesta. Sim, as mulheres, em seu conjunto, são hoje inferiores aos homens, isto é, sua situação oferece-lhes possibilidades menores: o problema consiste em saber se esse estado de coisas deve perpetuar-se.
Simone de Beauvoir (O Segundo Sexo, 1949)

Introdução

Neste texto apresentamos alguns indicativos de como acontece a incorporação feminina às Forças Armadas latino-americanas e, em particular aos países que compõem o Mercosul, o Brasil em primeiro plano. Não se trata de um estudo sobre a presença feminina na vida militar ou sobre a família militar. Ao contrário, embora a família militar seja tema de nosso interesse, o foco da análise aqui apresentada é especificamente sobre a “mulher soldado”, aquela que está presente, sob diferentes formas e status nas fileiras das Forças Armadas.

A “mulher soldado” é um tema duplamente ausente nos estudos acadêmicos: não é tratado pelos grupos que se dedicam aos estudos de gênero e nem pela sociologia militar.2 É verdade que há alguns trabalhos que enfocam as condições de vida da mulher no interior das instituições armadas, bem como outros que buscam explicar qual o impacto da incorporação feminina a uma organização tradicionalmente viril. Ainda assim, apesar do aparecimento desses estudos e pesquisas, o debate está longe de se instalar na perspectiva que modela os estudos acadêmicos de gênero. Mesmo a Sociologia Militar e os estudos gênero dos EUA, embora tenham um maior volume de trabalhos no assunto relativamente aos demais países, o assunto ainda é pouco representativo. O objetivo aqui perseguido é contribuir para as duas lacunas apontadas. Assim, adota-se aqui uma perspectiva de gênero para analisar a presença das mulheres nas Forças Armadas. A maior lacuna, que não poderá ser resolvida aqui está na compreensão das mudanças culturais que a presença da mulher e, porque não, de homossexuais, traz às instituições castrenses.

A ausência do tema está relacionada à própria maneira com que a sociedade encara a presença e a função feminina. É bastante comum aceitar que as mulheres não estão talhadas para o exercício da força e, em particular, para a aplicação, ainda que necessária porque socialmente justificada, da violência. Ao contrário, o mundo feminino é comumente associado à delicadeza e à necessidade de proteção das mulheres pelos homens. Essa forma de encarar as mulheres é tradicional nos países latino-americanos cuja cultura é marcadamente viril e católica. Todavia, essa forma de ver a questão não impede que se reconheça a presença positiva das mulheres nas frentes de batalha, como são exemplos para o caso brasileiro Anita Garibaldi ou Maria Quitéria. Ambas, entretanto, assumiram papéis excepcionais e/ou travestidos para lutar não por seus direitos enquanto cidadãs, mas pela libertação de seus povos/nações.

O tempo disponível para analisar o tema, não permite que se apresente novidades. Porém, esse estudo ordena os dados e avalia como aconteceu a incorporação das mulheres às Forças Armadas da Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia. Ou seja, os países do Mercosul ampliado. É interessante observar que embora não se analise toda a América Latina – uma pretensão que não pode ser alcançada por um pesquisador apenas, mas é trabalho para um grupo de pesquisa –, os países citados apresentam uma tal diversidade relativamente a forma de ver e conduzir a incorporação feminina ao meio castrense que se pode arriscar dizer que é representativa da totalidade do sub-Continente.

Por se tratar de um estudo comparativo, não se aconselha aqui a adoção de políticas específicas ou se discute a natureza psicológica que requer uma verdadeira democracia de gênero. Ao contrário, leva-se em conta que há a necessidade de uma transformação muito mais profunda, de visão de mundo e de paradigmas, para que haja de fato uma igualdade de gênero que adentre o mundo privado, o espaço da casa e que transforme as relações sociais para que estas venham a ser embasadas numa igualdade de direitos e responsabilidades entre homens e mulheres. Porém, compreende-se que na questão aqui tratada, isto é, a incorporação feminina às fileiras militares tem sua centralidade efetiva nas relações laborais. Não se nega que estas relações sejam recortadas pela percepção social de gênero e nem que tenham seus efeitos psicológicos, apenas se defende que não é este o âmbito principal da discussão política.

Resta informar como foi divido o texto. Na primeira parte, passa-se em revista o debate sobre gênero como uma nova metodologia das ciências sociais. O objetivo é mostrar em que medida a perspectiva de gênero auxilia nos estudos sobre segurança. Em seguida, apresenta-se o contexto histórico no qual nasceu a incorporação das mulheres às Forças Armadas dos países mencionados com a finalidade de mostrar qual conjuntura norteou as decisões políticas de incorporação feminina, bem como, o que talvez seja o mais importante, quais atores tomaram essa decisão. Na terceira parte apresenta-se os dados por países, tecendo-se algumas considerações sobre como analisamos a presença das mulheres nas Forças Armadas da América Latina.


Questão de Gênero

Segundo Rudineco e Plon, gênero é um

termo derivado do latim genus e é utilizado pelo senso comum para designar qualquer categoria, grupo ou família que apresente os mesmos sinais em comum. Empregado como conceito pela primeira vez em 1964, por Roberto Stoller serviu inicialmente para distinguir o sexo (no sentido anatômico) da identidade (no sentido social ou psíquico). Nessa acepção, portanto, o gênero designa o sentimento (social ou psíquico) da identidade sexual, enquanto o sexo define a organização anatômica da diferença entre macho e fêmea... Por esse ponto de vista, o gênero é uma entidade moral, política e cultural, isto é, uma construção ideológica, enquanto que o sexo se mantém com uma especificidade anatômica.”3

Tomando como referência esta definição de gênero, a luta pelos direitos das mulheres tem seu ponto de partida na luta pela identidade, pela construção do próprio eu feminino. Pode-se perceber não o uso do termo, que é contemporâneo, mas essa discussão já nos clássicos da teoria política. Deste ponto de vista, pode-se notar referências às diferenças de gênero nos textos de Maquiavel e Hobbes. Para o realismo do primeiro, a guerra é condição da política e a política é um papel masculino: os homens devem proteger as mulheres; estas não podem se dedicar à vida civil, pois pertencem à vida privada. Em outras palavras, a virilização da política equivale à privatização da mulher.4 O moderno pensamento político ocidental, portanto, fundamenta a ideologia que prevalece na sociedade até os dias de hoje.

Como gênero define papéis sociais, é a história de cada sociedade que determinará como será a luta das mulheres, dos negros, das chamadas minorias sociais. No ocidente, a separação dos papéis femininos e masculinos como chegou até hoje, constituiu-se a partir do extremo racionalismo do século XIX, que dicotomizou os papéis sexuais, cabendo aos homens o poder e o domínio do espaço público, personificados na figura do Estado, e à mulher a subordinação, a ação restrita ao espaço privado, numa correspondência entre espaço doméstico e sociedade civil. Conforme enfatiza Michelle Perrot, a própria História “é escrita no masculino (...) os campos que aborda são os da ação e do poder masculino, mesmo quando anexam novos territórios. Econômica, a história ignora a mulher improdutiva. Social, ela privilegia as classes e negligencia os sexos. Cultural ou ‘mental’, ela fala do Homem em geral, tão assexuado quanto a Humanidade.5

Na América Latina, o Brasil foi pioneiro na organização dos movimentos de gênero, conhecendo em fins do século XIX uma imprensa feita por mulheres para toda a sociedade. Também foi um dos primeiros países a permitir o voto feminino, introduzido em 1932, e já elegendo uma representante feminina para a Assembléia Constituinte de 1934. As argentinas conquistaram o direito de participar politicamente obtendo o direito de votar apenas em 1947, enquanto as chilenas puderam eleger representantes somente em 1949.

Nas décadas seguintes, enquanto no Brasil e na Argentina o movimento feminista recrudescia, no Chile as mulheres ganhavam o meio sindical elegendo três dirigentes mulheres para a CUT – Central Única dos Trabalhadores – já em 1957. Entretanto, foi apenas ao longo dos anos 60 que de fato há o desenvolvimento de um movimentos feminista de peso. Até este período, o acesso da mulher à universidade e ao mercado de trabalho era dificultado pelo processo de socialização realizado pelas instituições sociais, principalmente pela família e pela escola, que estabeleciam o papel social a ser desempenhado pelas mulheres. Quando havia a necessidade econômica, a atuação feminina no mercado de trabalho era vista como um mal necessário. Acreditava-se que a necessidade deixaria de existir quando ela se casasse.6

Desafiando os papéis sociais ditados pelos estereótipos de gênero estabelecidos no período – o de uma mulher passiva e submissa, que precisava ser protegida – uma vanguarda composta por jovens mulheres passou a exigir acesso igualitário ao sistema educacional, tendo como objetivo a qualificação profissional e o ingresso no mercado de trabalho. Esta mudança comportamental levou ao aumento do número de mulheres nos postos de trabalho que exigiam maior qualificação profissional, bem como a uma crescente presença feminina nos quadros universitários. Este processo levou à consolidação da presença feminina no mercado de trabalho, o que resultou na sua emancipação econômica e conseqüente valorização social.

Também foi durante os anos 60 que se instalaram na maioria dos países da América Latina os governos ditatoriais tendo à frente as forças armadas dos respectivos países, o que ligou os movimentos feministas à conquista da democracia e das liberdades que ela encerra. É de péssima lembrança as muitas mulheres que foram perseguidas pelo terror de Estado justamente pela sua condição de mulher. O exílio comum de muitas das latino-americanas fazia nascer na Franca da década de 70, um fórum para pensar a condição feminina ao qual se somaram as chilenas surpreendidas pela sanha desmedida da ditadura de Pinochet.7

Ao longo desses anos, as mulheres desenvolveram intensa atividade política. Havia movimentos identificados com os próprios governos que se instalavam, como no Brasil os setores contrários ao nacional-reformismo desenvolvido pelo governo de João Goulart e organizadas em entidades surgidas a partir de 1962 – União Cívica Feminina, Movimento da Arregimentação Feminina (MAF) e Campanha da Mulher pela Democracia (Camde). Donas-de-casa e mães de família participaram da Marcha com Deus pela Família e a Liberdade – que, estimuladas por setores da direita, apoiaram, respaldaram e legitimaram o golpe militar de 1964. Todavia, essas mulheres não rompiam com as expectativas tradicionais destinadas ao papel feminino. Apesar de politicamente ativas, não deixavam de ser mulheres passivas e submissas, já que: a) estavam militando em defesa da Pátria, da Família e da Propriedade, elementos identificados implicitamente com o estereótipo tradicional de feminilidade e o subseqüente papel de esposa, mãe e dona-de-casa, e b) não pretendiam, com esta atuação, criar e manter para si um espaço público para ação política inovadora, tendo em vista que permaneceram como quadro de apoio e termômetro da opinião pública sobre as medidas adotadas pelo regime militar.8

De um outro lado, um grupo formado em sua maioria por jovens estudantes, professoras e profissionais liberais, rompeu completamente com os estereótipos de gênero vigentes no período. Questionaram padrões comportamentais secularmente estabelecidos, como a virgindade, o casamento, a monogamia, e a necessidade da maternidade para a realização pessoal feminina. Estas mulheres foram pioneiras no uso regular da pílula anticoncepcional,9 por militar em organizações políticas, armadas ou não, que se opunham às ditaduras militares. Ao tomar esta decisão, rompiam duplamente com o tradicional papel feminino: tornavam-se militantes políticas e ainda pretendiam conquistar um espaço público de ação política, onde pudessem não só apoiar, mas também discutir e participar das decisões. A ação destas mulheres era inovadora porque pretendia criar, dentro e fora das organizações de esquerda, um espaço de discussão política onde pudessem debater assuntos ligados à condição feminina.

Ao longo dos períodos de transição dos regimes autoritários para governos democráticos, a atuação da mulher foi decisiva, pois muitos dos jovens, mulheres e homens, haviam tombado sob as botas dos ditadores. O principal desses movimentos, que renovou a própria concepção do que seja a participação política das mulheres, foi e ainda é o movimento argentino das Mães e Avós da Praça de Maio. Nascido em 1977, traduzia a rejeição daquelas mulheres de tudo o que representava o terrorismo de Estado adotando uma ação inusitada e permanente:

as mães trabalham de outro modo. Tão simples e tão pouco instituído que os burocratas, os homens de Estado, saem de seus escritórios de quando em vez, se irritam, mostram sua intolerância com o que escapa à sua captura. Elas estão ali, com sua presença, seus corpos de mães sem filhos. Isto basta e sobra para que todo mundo saiba o que passou... Atuando assim (...) não pretendem uma resposta pessoal e lógica, nem uma solução para seus conflitos subjetivos. Querem o que todos os “normais” defendem: verdade, justiça e seus filhos...10

Paralelamente à incorporação de novas atitudes pelos movimentos feministas, as ciências sociais adotavam novas categorias de análise, muitas das quais foram impulsionados pela luta singular das mulheres. Simone de Beavoir condensa nas suas obras a questão de gênero, justamente ao mostrar que a mulher é uma construção social. É assim que se iniciam os estudos de gênero que atualmente representa uma vasta literatura.

O desenvolvimento dos estudos de gênero segue, pois, uma história semelhante ao próprio movimento que o produz. Num primeiro momento, entre as décadas de 60 e 80, há o predomínio de estudos sobre as mulheres. Nos estudos então produzidos predomina a questão contestatória dos movimentos feministas, tais como a participação política da mulher; a questão da violência doméstica e as diferenças laborais. Talvez pela experiência das exiladas que estudavam a finco as obras de Marx e Engels, na América Latina foram os movimentos feministas de cunho marxista que lideraram a introdução do tema no universo acadêmico. Nesses estudos prevalece a mulher como objeto, como finalidade de políticas que, ao serem implementadas, mudariam todo o panorama social.11 É nesta perspectiva também que os estudos “Mulheres em Desenvolvimento” se classificam.12

Já nos EUA, onde o feminismo não seguiu rumo próprio, os estudos sobre mulheres estavam ligados aos movimentos de insubordinação civil e galvanizados por autores como Herbert Marcuse, que defende que são movimentos como os feministas que realizarão a revolução socialista. Embora nesses a mulher assuma, pois, um papel protagônico em conjunto com outros movimentos sociais, prevalece uma visão ao mesmo tempo sexista na análise e otimista na solução dos problemas. Sexista porque não percebe a dimensão social da diferença entre sexos; otimista porque entende que os problemas das mulheres serão solucionados pela mudança mais ampla da sociedade. Ambas as perspectivas, isto é a norte-americana e a latino-americana, culminam em 1975, instituído pela ONU como Ano Internacional da Mulher.13

A partir de meados dos anos 80, com a própria institucionalização dos movimentos liderados por mulheres – como a criação de delegacias especializadas, secretarias de governo, etc –, e em particular nos anos 90, a perspectiva relacional é introduzida nos estudos acadêmicos, transformando a abordagem centrada na visão da mulher em uma abordagem na qual o gênero se destaca e é entendido como construção social e relacional. Destaca-se neste período o crescimento, em quantidade e em qualidade, dos estudos acadêmicos a respeito.

Nos anos 90, depois da queda da União Soviética, “a questão da violência social e, no caso da mulher, a violência sexual, doméstica e familiar, tornou-se o grande tema da contemporaneidade. O tema da violência é primordial quando se trata de direitos de cidadania na medida em que democracia é incompatível com todas as formas de violência...”.14

Reafirmando o que se disse no inicio, apesar do grande avanço dos estudos sobre gênero, apenas pelo lado da violência, esta jamais considerada como parte da identidade feminina, os estudos tratam da questão mais ampla da segurança, o que significa que à mulher é negado o direito de produzir segurança. Ao contrário ela é sempre vítima seja da guerra seja da violência. Assim, os poucos estudos que relacionam mulher e, mais amplamente, gênero e segurança tendem a vitimizar a mulher e sequer toca na questão relacional. É isso que se depreende da análise da Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU. Na única menção à palavra gênero, esta é utilizada como sinônimo de sexo. É o que se depreende do art. 13: [O Conselho de Segurança das Nações Unidas] “solicita a todos que participem do planejamento para o desarmamento, a desmobilização e a reintegração, levando em conta as necessidades distintas dos ex-combatentes segundo o gênero, feminino ou masculino, bem como as necessidades de seus familiares”.15 Mesmo na América Central, em cujos conflitos a mulher esteve e está no centro do combate, seja este de resistência civil pacífica, seja pegando em armas para combater a opressão, seu papel é minimizado tanto pelos governos quanto por seus companheiros e na maioria dos casos, essas mulheres também padecem da “dupla jornada de trabalho” – estão na frente de combate e são elas que garantem a infra-estrutura necessária a continuidade da batalha, cozinhando, lavando, limpando.

Em resumo, apesar dos avanços nos estudos e de ações políticas afirmativas na questão de gênero, a questão da segurança e gênero permanece órfã. Nos estudos sobre mulher, destaca-se aqueles a respeito da violência contra a mulher e sua participação nas ditaduras e processos de transição. Sua presença na luta armada contra as ditaduras instaladas em vários países ao longo dos anos 60 e 70, merece atenção especial, bem como sobre como são vítimas desses conflitos armados. Como agentes de conflitos, a presença da mulher é sempre apresentada pelo seu caráter excepcional, desconsiderando que sua presença nas frentes de guerra e quartéis pode mudar a natureza mesma da batalha.16


Uma nova América?

Quiçá o que explica a ausência da temática de gênero no que se refere aos estudos sobre a segurança e a guerra tenha a ver com o momento em que o movimento feminista e a perspectiva acadêmica de gênero ganhou terreno. Como lembrado acima, foi durante as sangrentas ditaduras militares que isso se processou. A desconfiança em relação às Forças Armadas justifica não apenas os parcos estudos sobre gênero, mas mesmo sobre as funções e papéis militares em nossas sociedades. Afinal, como informa uma vítima da ditadura hoje especialista em estudos de gênero, “resta o fato de que a experiência mais universal da América Latina seja o medo gerado por séculos de dominação violenta. O medo das vítimas dos colonizadores europeus, dos padres católicos, dos senhores de escravos, dos patrões e, mais recentemente, o medo da repressão política...”.17

Além do medo endógeno, as experiências dos países aqui tratados, isto é, aqueles que constituem o chamado Mercosul ampliado, compartilham da enorme interferência castrense na política. Não por acaso, o pano de fundo para a entrada das mulheres nas Forças Armadas destes países foi também o mesmo: eram países recém saídos dos chamados regimes autoritários-burocráticos, segundo a conceituação estabelecida por Guillermo O’Donnell.18

Tendo por premissa que o resultado das transições entre regimes burocrático autoritários (BA) e governos democráticos é largamente influenciada pelo tipo de transição, a proposta é avaliar se e como tais transições influenciaram a entrada das mulheres nas forças armadas de seus países. Entretanto, se aplicada a conhecida tipologia construída por Guillermo O’Donnell, não teríamos como classificar os países, pois cada um deles seguiu um caminho próprio entre os extremos da transição por colapso do regime BA e as transições negociadas. Assim, a inspiração que move a análise aqui descrita está na leitura dessa tipologia de O’Donnell apresentada por Ernesto López,19justamente porque, diferente do primeiro, López reconstrói a tipologia de transições de regime BA concentrando-se na questão das relações entre civis e militares.

Adaptando a tipologia de López para o caso aqui tratado, a classificação assim construída assenta-se em três fatores: . 1) tipo de controle civil sobre as Forças Armadas; 2) situação profissional das Forças Armadas no pós-ditadura e, 3) capacidade de conter o conflito social nos limites das regras do jogo democrático. Outro fator que aparentemente influenciou o processo de incorporação feminina às Forças Armadas é o tempo transcorrido entre a ditadura e governo democrático. Este, todavia, não foi incluído para classificar os países porque o tempo é dependente do tipo de transição política.

Aplicando o modelo proposto, no primeiro grupo estariam Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, países no quais se estabeleceu um controle civil, ainda que limitado, sobre as Forças Armadas e que garantiu o respeito às regras do jogo no governo democrático. Com relação à situação profissional pós-ditaduras, as Forças Armadas tem um grau maior de profissionalização relativamente ao período ditatorial. No segundo grupo, estão Bolívia e Paraguai, nos quais o controle civil sobre as Forças Armadas não foi capaz de conter o conflito social nos limites das regras democráticas, bem como erigir o profissionalismo castrense.20

Para responder aos objetivos deste artigo, esse modelo deve ser complementado com uma avaliação da trajetória da participação das mulheres na política de seus países. Conforme já parcialmente avaliado, os movimentos pelos direitos humanos e a luta contra as ditaduras formaram o caldo de cultura que levou à ampliação da presença de minorias (não apenas mulheres, mas também os negros, os deficientes, as crianças, etc) no âmbito político das sociedades analisadas. De uma forma geral, a trajetória desses grupos é bastante semelhante, o que permite a generalização. No caso do primeiro grupo considerado, os movimentos sociais pelo respeito e ampliação dos direitos das mulheres redundou na incorporação das reivindicações aos planos dos governos que se seguiram às transições e institucionalizaram-se. Atualmente, quando os quatro países vivem sob governos de centro-esquerda, esses movimentos experimentam a contraditória situação de “ser governo”.21

No caso boliviano e paraguaio, a despeito de não se poder negar o avanço do respeito aos direitos das mulheres, esta ainda é uma luta cotidiana, que nem de longe atingiu o grau de institucionalização experimentado por países como Chile ou Brasil. Nos dois casos, ainda que possa haver adesão substantiva das Forças Armadas à democracia, o centro do debate está na conquista de direitos fundamentais de toda a população e pode-se dizer que em ambos a transição para a democracia está incompleta.

A Bolívia continua a viver uma crise de sistema político cujo aspecto mais aparente se traduz na crise de representatividade que ameaça a governabilidade do país. Tanto é que depois de experimentar vários lustros de governo razoavelmente democrático – formado por meio de eleições livres e nas quais o resultado foi respeitado –,22volta a ser palco de conflitos violentos que desembocaram no golpe acontecido em outubro de 2003. O envolvimento militar para conter a população revoltada aponta contundentemente para a necessidade de estabelecer uma função precisa para as Forças Armadas, condição para sua profissionalização. Dadas as condições atuais, não se pode claramente delimitar uma temática específica de gênero dirigida ao plano da política.

No Paraguai, apesar do afastamento castrense do partido Colorado provocado pela quebra da aliança que garantia a velha ordem, o que aconteceu em 1989, e a instituição de uma ordem de liberdades civis sem precedente, as Forças Armadas continuam sendo um ator sóciopolítico muito importante. Mesmo considerando as mudanças introduzidas pela Constituição de 1992,23e em razão das particularidades da sociedade paraguaia – uma sociedade civil débil e pouco organizada (ponto de contraste com a sociedade boliviana) –, nenhum assunto relativo à organização das Forças Armadas ou da política de defesa foi cogitado. O máximo que se atingiu foi a desmilitarização da arena política cuja estabilidade é afiançada pela necessidade do Paraguai continuar no Mercosul. Desse modo, o espaço para os movimentos sociais praticamente inexiste e as poucas vozes que se levantam são incorporadas pelo partido Colorado.24

As transições de todos países aqui citados tiveram uma marca comum na questão aqui tratada: o despreparo civil para tratar os temas relacionados à Defesa. Não é, pois, uma característica singular dos movimentos sociais de gênero ignorar essa matéria. Conforme resume uma pesquisa, “se essa deficiência [civil] pode ser atribuída em parte ao trauma causado pela recente repressão a que essas sociedades foram submetidas, ela certamente é mais fruto do pouco peso político que as Forças Armadas passaram a ter num cenário político estabilizado e num mundo globalizado”,25o que torna ainda mais necessária a reforma das Forças Armadas da região, definindo claramente qual é seu papel nesse mundo tão pequeno, mas tão conturbado.

Paralelamente ao processo político descrito, também o universo social de atuação das mulheres mudou. Desde o final dos anos 80, mas com maior força a partir de meados do 90, a América latina passou a ser palco das experiências neoliberais que constituem o mundo globalizado, conforme lembraram os autores acima. O novo contexto econômico-social ao mesmo tempo que abriu novas oportunidades para as chamadas minorias, também trouxe consigo resultados trágicos. A mulher é o ator paradoxal deste novo mundo, mais urbano e cosmopolita, pois, se essa nova ordem apresenta melhores condições de empregabilidade e cidadania para a mulher, também gera maior pobreza e menor assistência por parte de Estados cada vez menos soberanos, o que tem na mulher seu sujeito principal.

Os mais otimistas entre aqueles que acompanharam os movimentos femininos ao longo dos anos 80 e 90, acreditavam que o século XIX seria marcado por uma revolução sexual. Não era a descoberta da pílula ou a urbanização que libertaria a mulher, mas sua liberdade econômica que levaria à consolidação de sua consciência cidadã. Essa doce ilusão foi substituída pela trágica realidade da América Latina. Um exemplo é dado pela conformação do mercado de trabalho de São Paulo. Segundo dados da Fundação SEADE, as mulheres já são maioria no mercado de trabalho. Porém, considerando apenas a renda dos chefes de família, a renda média quando o chefe é mulher é em média 400 dólares, essa média eleva-se para 610 dólares quando o chefe da família é homem.26

Tomando a América Latina como universo, a CEPAL – Comisión Económica para America Latina y el Caribe –, mostra que o índices de pobreza e indigência vem aumentando continuamente deste lado do globo. Para se ter uma idéia, dados da CEPAL apontavam que 43,4% da população latino-americana vivia na pobreza, dos quais 18,8% eram indigentes, isto é, viviam com menos de 1 dólar diário. Informava também que a região da América Latina e Caribe é a de maior desigualdade social do mundo.27

A ampliação do mercado de trabalho não implicou na superação dos chamados “guetos ocupacionais”, isto é, aquelas profissões/atividades que são exclusivas de determinado grupo social. Tomando o Brasil como exemplo, os censos têm mostrado que as atividades de baixo prestigio e menor remuneração continuam a ser quase exclusividade feminina. Mais de 20% das mulheres brasileiras trabalham em serviços domésticos que, somadas às que se ocupam de serviços de escritório, vendedoras e professoras primárias, empregam quase 50% da força de trabalho feminina.28 Considerando que as estatísticas internacionais mostram um aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, pode-se ao mesmo tempo avaliar a crise econômica de nossas sociedades e a discriminação de gênero: em situações de crise, emprega-se aquele que se submete a menores salários e piores condições de trabalho. Ademais, a história mostra que quando as mulheres conquistam o direito a determina atividade econômica, esta tende a perder prestígio e remuneração.

É tendo por contexto esta realidade, que combina crise econômico-social com (re)organização da democracia política, que é promovida a abertura das Forças Armadas às mulheres. Este novo campo de trabalho, diferente da maioria das outras profissões, não é conseqüência de reivindicações femininas. Ao contrário, ela é conquistada apesar da ausência do interesse civil pelas questões militares.


O cesto torna-se arco29

Na sociedade latino-americana, marcada pelo patriarcado e catolicismo, a instituição militar foi desde o nascimento dessas nações proibida para as mulheres. Não que elas, como vimos, não tenham participado de batalhas ou não tenham tido funções ao longo da própria construção da organização castrense. Ao contrário, era parte das mais ativas, muitas vezes representando o papel de grandes motivadoras da ação dos exércitos. Contudo, essa participação sempre aconteceu pela ausência, isto é, os quartéis nos quais se forja o verdadeiro ethos militar estava fechado para a presença feminina. A mulher não podia ser combatente e só se apresentava na batalha de travestida. É esta a história de Diadorim do romance de Graciliano Ramos: era vestindo-se e comportando-se como homem que aquela linda donzela participava da batalha. Ou então, quando combatiam, eram simplesmente ignoradas nos relatos históricos. Para citar um exemplo, na Batalha de Retirada da Laguna, uma das mais importantes do Brasil na Guerra da Paraguai, estima-se que 200 mulheres (esposas ou companheiras dos soldados) tiveram presença ativa na ação, o que explica terem sobrevivido apenas 60 mulheres. No entanto, mesmo nos novos estudos sobre essa batalha, a menção às mulheres, quando acontece, limita-se ao caráter assistencial, minimizando qualquer importância de sua participação no combate.30

O microcosmo da sociedade castrense repetiu ao longo dos anos o interdito da sociedade Guayaki: o arco era instrumento masculino que se maculado pela mulher representava a maldição do azar na guerra. Na batalha, a única função que poderia ser representada pela mulher é aquela de auxiliar na retaguarda, seja como enfermeira seja como secretária, funções sempre menores do que aquele que comanda, seja o escritório ou o hospital. Não sem razão até hoje quando a maioria das forças armadas ocidentais, e mesmo movimentos guerrilheiros como os suicidas islâmicos, aceitam mulheres e permite-lhes ascender a postos de comando, ainda há um sinal de que essas mulheres são diferentes, são quase másculas.

Essa imagem da mulher, isto é, que ela deixa de ser mulher quando assume papéis reservados aos homens, fundamenta-se na idéia que gênero é um fator biológico e, portanto, justifica a desigualdade na divisão social do trabalho. Se essa crença é difundida sobremaneira na sociedade ocidental, o é ainda mais no meio castrense. O preconceito contra a mulher não aparece apenas nas legislações que limitam seu acesso a postos ou armas; ele está igualmente presente na forma como a mulher é vista tanto por seus pares na caserna quanto por seu círculo social, e até mesmo por si própria.

Avaliando a trajetória da incorporação feminina em alguns países da OTAN, Maria Carrilho aponta para diferentes tipos de discriminação, como o assedio sexual e dificuldades de compreensão da família da militar quando esta decide “fazer carreira”.31Relatos colhidos no Brasil, apontam para outro fator de discriminação, que é o “sentimento de proteção” que as mulheres despertariam nos soldados, prejudicando o desempenho dos homens na guerra, ou a incompatibilidade entre atividade bélica e biofísica feminina.32

É sob o duplo signo de crise econômica e democratização política que boa parte das forças armadas latino-americanas abrem suas portas às mulheres, dando uma nova marca à década de 80, não apenas a década das conquistas democráticas, mas também de maior liberdade e protagonismo num campo até então fechado às mulheres, aquele que constitui o próprio cerne da política: o fazer parte de seu instrumento de violência legítima.

Não foi por acaso que a incorporação da mulher às Forças Armadas aconteceu neste período. Os fatores que explicam essa incorporação, conforme vários estudos mostram, estão intimamente relacionados com democracia e crise, esta última não necessariamente econômica. É por isso que a primeira incorporação acontece na Dinamarca em 1946, logo após o término da Segunda Guerra, enquanto que Portugal e Espanha só o fazem em 1988, após vencerem suas ditaduras e reformar suas estruturas políticas e econômicas.

Segundo os estudos empreendidos sobre o assunto, são três os principais fatores que levam à integração das mulheres às forças armadas. O primeiro é a democracia que cada vez mais exige maior igualdade na oferta de oportunidades para os cidadãos. Depois, está a mudança na forma de fazer a guerra, nisto compreendendo as mudanças tecnológicas (sofisticação nos armamentos) e administrativas (gestão da guerra).33O terceiro fator poderia ser chamado de psicossocial, pois é conseqüência da percepção dos agentes sobre a função dos militares, o que englobaria a questão econômica (proventos e benefícios) e também o prestígio da profissão, resultante tanto do grau de legitimidade castrense (crise de identidade e grau de confiança da sociedade) como da pouca atração que a profissão teria para o sexo masculino. Adicionalmente, o estabelecimento do voluntariado no recrutamento para as Forças Armadas, também explica a abertura para as mulheres.

Os procedimentos para o recrutamento militar feminino na América Latina, em linhas gerais, seguiu o mesmo processo visto no Brasil que, por sua vez, não difere quase nada no seu processar-se relativamente aos países da OTAN. Iniciaram-se ao longo dos anos 80, inserido as mulheres em quadros complementares das Forças, nos quais elas desempenhariam funções de menor prestígio, pois não ligados diretamente ao combate, como os cargos administrativos, de ensino e saúde. É importante lembrar que a presença feminina em corpos de enfermagem ou como professoras (jamais instrutoras) nas Forças Armadas, já era comum desde a década de 50 – como na Argentina que criou um Corpo de Enfermagem para o Exército em 1960. Porém, esses quadros não faziam parte da estrutura militar desses países até os anos 80. É o que resume a tabela abaixo:

Tabela I: Dados Comparativos da Incorporação feminina às Forças Armadas no Mercosul ampliado

  Quando aconteceu a incorporação? Tem acesso as Armas combatentes? Tem acesso ao Oficialato Superior, em quais Forças? Por meio de qual força foi feita a incorporação? Qual o tempo transcorrido entre a primeira Força a incorporar e a incorporação integral?
Argentina 1980 Não Em todas as Forças Força Aérea 2 anos1
Brasil 1980 Não Na Força Aérea2 Marinha 12 anos
Paraguai 1999 Não No Exército3 Exército Não houve
Uruguai 1998 Sim Em todas as Forças Exército 3 anos
Bolívia 1981-85/20034 Não Exército Exército Não houve incorporação
Chile 1995 Sim Força Aérea Exército 7 anos

Fonte: Comandos das Forças singulares dos países citados.

1 Em 1960 é criado um corpo feminino, mas seus quadros não pertencem ao Exérctito. A incorporação aos quadros de comando iniciam-se em 1997 e se completam em 2001. Para Argentina, a fonte utilizada foi DONADIO, Marcela. La incorporación de la mujer em las Fuerzas Armadas de Argentina. Texto apresentado no XXV Congresso da LASA. Las Vegas, out./2004.
2 Essa incorporação foi feita por medida judicial, isto é, as cadetes da Academia da Força Aérea pediram à justiça a sua incorporação ao mais alto posto da Força, com base na Constituição que veta qualquer discriminação, seja de sexo, de religião, de etnia, etc.
3 As mulheres foram incorporadas ao Exército como quadro complementar, isto é, elas ingressam como profissionais universitárias e, por isso, não podem ascender ao oficialato superior. A partir de 2003, as mulheres são admitidas na academia militar como cadetes. Assim, por hipótese, essas cadetes podem chegar a postos de comando. Todavia, essa promoção não foi regulamentada.
4 Na Bolívia não há incorporação feminina legalizada. Por determinação do Executivo, abrem-se vagas no Colégio Militar para mulheres quando o ministro, em conjunto com o presidente, decide que deve fazê-lo. Quando elas entram, lhes é permitido ascender ao mais alto posto da hierarquia no Exército. Nas demais Forças, não se processou a incorporação.

As Forças Armadas argentinas são as melhor estruturadas da América do Sul, o que não significa que sejam as mais modernas. A análise dos documentos, bem como o comportamento dos membros das Forças Armadas, mostram que as reformas promovidas ao longo dos anos 90, foram bem sucedidas.34Duas medidas foram fundamentais, a nosso ver, para esse sucesso: o abandono do Serviço Militar Obrigatório e conseqüentemente a introdução do voluntariado e a abertura da educação militar, tornando-a um braço do ensino civil.35

Em razão das citadas mudanças, somadas ao preceito constitucional da igualdade de gênero, as mulheres ganharam o direito de pertencer aos quadros permanentes das Forças Armadas. Em que pese a sociedade argentina ser uma das mais politizadas do continente e por isso uma das que melhor trata a posição da mulher, suas Forças Armadas não promoveram a igualdade de gênero completa. A despeito das mulheres poderem galgar postos de comando e, por isso, poderem chegar um dia a comandar a força, da mesma forma que na maioria dos países do mundo, elas não podem assumir funções na frente de combate, concentrando-se em postos de apoio ou auxílio à tropa.

Chama a atenção no caso argentino o fato da reforma militar não ter sido produto de uma política traçada pelo meio civil. Sabe-se que o tipo de transição do autoritarismo para a democracia neste país foi largamente dirigido pelo meio civil com alguma resistência dos setores militares identificados com a ditadura ou temerosos das conseqüências de sua superação – as rebeliões “Carapintada” são o melhor exemplo. Entretanto, também foi o país que promoveu o melhor enquadramento profissional das Forças Armadas, inclusive com a punição de alguns dos responsáveis pelas atrocidades da ditadura militar, bem como estreitou o relacionamento entre civis e militares. Apesar disso, a reforma castrense foi feita com quase nenhuma interferência civil e ainda menor participação do Congresso. Muitas das mudanças decorreram da omissão civil e foram, na quase totalidade dos casos, fruto da percepção negativa das Forças Armadas frente à sociedade civil.

Foram a necessidade de justificar-se perante a sociedade e adaptar-se às novas exigências mundiais na questão da defesa as duas causas da modernização castrense, projeto que incluía a incorporação feminina às fileiras militares. Daí porque é no Exército, força que mais necessitou justificar sua existência não apenas diante das sociedades nacionais mas também no meio internacional dado o desenvolvimento tecnológico ligado à guerra, que os maiores avanços foram atingidos. Apesar de que as outras duas Forças caminham a passos largos para implantar a incorporação feminina completa. Dessa forma, pode-se dizer que a transição do autoritarismo foi não somente o pano de fundo para essa reestruturação, mas seu tipo determinou, ainda que não completamente, a organização renovada das Forças Armadas da Argentina.

No Brasil, não houve nenhuma reformulação da estrutura militar. Ao contrário, o que se apresenta é uma sobreposição de medidas objetivando promover uma aparente adaptação das Forças Armadas à Democracia e às exigências bélicas do mundo hoje. O recrutamento feminino para as Forças Armadas também não se baseou na necessidade de cumprir com as exigências de igualdade de oportunidades, pois é apenas em 1988, com a nova Constituição, que esse preceito aparece. Defende-se aqui que o que justificou esse procedimento foi a somatória do sucesso que a incorporação feminina teve nas polícias militares estaduais (provinciais) e, por outro, o desprestígio dos militares particularmente diante das elites, o que abriu a profissão para as mulheres. De forma nenhuma essas fatores são excludentes, ao contrário, estão em perfeita sintonia, pois as policiais femininas foram interpretadas como humanizadoras das forças militares, compensando a visão popular de que as polícias militares se alimentavam da tortura e da corrupção. No mesmo sentido, a crise de identidade castrense advinda de seu afastamento da política e a participação crescente de mulheres nas Missões da ONU, exigiram reformulações que apontavam para a incorporação feminina.

Entre os países aqui analisados, o Brasil foi o primeiro a abrir suas Forças Armadas para o ingresso de mulheres.36Em 1980 foi criado o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha, que preparava pessoal para atuar na área técnica e administrativa. Foi também o país que mais demorou em promover a igualdade sexual, até o momento apenas parcial, pois somente na Força Aérea as mulheres podem chegar aos postos de oficiais combatentes, o que acontece desde 2002. Portanto, foram 22 anos entre a incorporação feminina e franquear-lhes plenos direitos na profissão. Cabe lembrar, contudo, que esse direito não seguiu um planejamento seja da própria Força seja do Ministério da Defesa ou de uma política nacional nessa área. Ao contrário, foi por iniciativa das próprias cadetes que isso aconteceu.37

Em 1998 foi extinto o Corpo Auxiliar Feminino da Marinha e foi permitido que mulheres participassem em missões nos navios hidrográficos, oceanográficos e de guerra, mas não se lhes abriu a possibilidade de participar das Armas combatentes na Marinha. Em 1982 ingressou a primeira turma de mulheres na Força Aérea Brasileira – FAB, sendo graduadas como 2º Tenentes, 3º Sargentos e Cabos. No Exército, apenas em 1992 ingressou a primeira turma com 29 alunas na Escola de Administração do Exército (EsAex – Salvador/BA), para formação de oficiais de carreira. Nas três Forças as mulheres atuam em diversas áreas como médicas, enfermeiras, dentistas, farmacêuticas, veterinárias, professoras, engenheiras, arquitetas, advogadas, jornalistas, etc. ou seja, nas mesmas funções nas quais encontravam-se mulheres (não incorporadas) antes dos anos 80.

Nas Forças Armadas brasileiras prevalece uma visão contrária à presença feminina nos quartéis; a elas está vedado qualquer possibilidade de galgar postos de comando na Marinha e no Exército, já que fazem parte de quadros complementares e/ou auxiliares que não permite a ascensão ao Estado-Maior. Em ambos os casos as justificativas são de cunho sexista: a falta de condições físicas ou psicológicas das mulheres ou a distração que elas causariam aos homens, pois estes “naturalmente” sentem-se atraídos sexualmente pelas companheiras, ou ainda a falta de orçamento para promover a adaptação de instalações. Além disso, apenas para os homens o serviço militar continua obrigatório.38

O Uruguai parece ser o caso em que a reforma foi mais profunda e mulheres e homens tem o mesmo status como militares. Isto não significa que não haja problemas e que ainda esteja em processo a equiparação em termos de comportamento de gênero. Conforme um estudo feito pelo Exército, mais do que incorporar mulheres à Força, o que se promove é uma integração entre homens e mulheres à vida militar. Assim, “...se pode dizer, com absoluta certeza, que no interior de uma cultura institucional de personalidade masculina até a raiz, a mulher superou as expectativas (...), integrou-se [ao Exército] e promoveu uma mudança que permitiu que ela saísse [como oficial], fato que ocorreu pela primeira vez em 2001.”39É preciso considerar, porém, que da mesma forma que na família, também na caserna são mudanças culturais profundas que levarão a uma verdadeira igualdade de gênero.

Não acreditamos que essa mudança nas Forças Armadas uruguaias seja produto da transição da ditadura para o governo democrático ali promovido. Como se sabe, da mesma forma que na transição brasileira,aquela foi uma transição coordenada pelas Forças Armadas, que foram bem sucedidas em anistiarem-se a si próprias da violência ditatorial. O que sim pode ser creditado na conta dos militares é o fato das mudanças nas Forças Armadas terem sido promovidas sob seu estrito controle. Nas divisões internas, prevaleceu a vontade profissional de afastar definitivamente o setor castrense da política e promover a modernização das Forças para adaptarem-nas ao mundo globalizado.

Dos países do Mercosul, o Paraguai é o que menos evoluiu do ponto de vista da necessária reestruturação de suas Forças Armadas, bem como na definição de uma política de Defesa. Este país é um caso particular, como sempre foi no campo da política. Os dados mais recentes da pesquisa promovida por Latinobarómetro (2004), mostram que este país é um dos que menos caminhou para a democracia, prevalecendo uma cultura autoritária, corrupta e que não acredita no regime democrático.40Também está entre os que entendem que não existe lugar para a mulher no mundo da política. Ainda assim, suas Forças Armadas lograram alguma profissionalização nos últimos anos, incluindo a incorporação feminina.

A promoção das mudanças, a maioria com o objetivo de afastar as Forças Armadas da política, foi fruto da visão corporativa das Forças Armadas que entendem que o afastamento delas do Partido Colorado é condição para que o Paraguai logre algum desenvolvimento no século XXI. Não há duvida de que essa compreensão por parte das Forças resultou da sua participação nos últimos acontecimentos políticos, bem como do comportamento dos países do Mercosul, sinalizando que se o país não adotasse a democracia, ainda que formalmente, e não promovesse mudanças no sentido de superar a corrupção de suas instituições, o Paraguai seria instado a sair desse Tratado.

Dada a peculiaridade da sociedade paraguaia, a incorporação feminina às Forças Armadas, ainda que muito limitada diante de seus vizinhos, deve ser saudada, pois representa um avanço significativo no respeito aos direitos da mulher e no estabelecimento da igualdade de gênero. Quiçá essa atitude reverta-se em incentivo para a adoção de medidas que facilitem a superação dos entraves ao estabelecimento de um verdadeiro Estado de direito no país.

A Bolívia, infelizmente, não conseguiu superar seus problemas a ponto de construir instituições que sejam capazes de amortecer os graves problemas que põem em risco a sobrevivência das regras do jogo político. Dos países aqui tratados, é o que menos se aproxima da consolidação da democracia, continuando sob o signo da transição entre autoritarismo e democracia. O fracasso das políticas de substituição da cultura da folha de Coca aumentou ainda mais os níveis de pobreza e de revolta social, comprometendo as Forças Armadas, em particular o Exército, nas ações repressivas. Tudo isso reforça a necessidade de reforma não apenas política, mas particularmente das Forças Armadas, que ainda não foi possível em razão da própria fragilidade institucional somada aos problemas econômicos. Assim, a situação política do país alimenta a própria incapacidade política de promover mudanças e na falta dessas, a governabilidade é comprometida cada vez mais.

Por outro lado, a organização da sociedade civil sempre foi bastante grande neste país, em particular dos setores laborais. Não por acaso um dos grandes líderes políticos atuais é o líder “cocaleiro” Evo Morales que, em sintonia com outros lideres e dirigentes sindicais, vem conseguindo por fim a projetos de internacionalização de serviços públicos, o que foi implementado com auxilio popular em países vizinhos, como Argentina e Brasil. Contudo, a mobilização social não tem se colocado o objetivo de superar as desigualdades de gênero ou discutir as funções e o papel que cabe às Forças Armadas. Neste aspecto, a iniciativa de participação feminina foi do próprio Executivo e, considerando que as Forças Armadas continuam a desempenhar legalmente o papel de contendores da ordem pública, a mesma necessidade pode ter motivado a abertura do Exército para as mulheres nos anos 80.

Permitir que as mulheres entrassem no Exército não significou uma incorporação real, pois não foi regulamentada e nem resultou de uma política específica, seja das Forças Armadas ou do governo. Tanto entre 1981 e 1985 quando em 2003, foi por uma ação do Executivo que se reservaram algumas poucas vagas para as mulheres. Por outro lado, desde 1998 funciona um serviço pré-militar para bacharéis que pode ser freqüentado por ambos os sexos. Porém, além de ser de curta duração, não é requisito ou garantia para a incorporação castrense.41

De tradição diferente das forças armadas dos seus vizinhos, o Chile constitui outro caso de igualdade entre gêneros nas Forças Armadas. Porém, diferente das uruguaias, as chilenas só tem acesso às armas de combate na Força Aérea, o que amplia suas possibilidades de chegar ao oficialato superior e ao comando da Força. Na Armada e no Exército, a participação feminina está restrita às armas de apoio, o que não impede galgar postos em nível de estado-maior e, portanto, poder chegar ao comando da Força. No entanto, da mesma forma que acontece com os homens, dificilmente aquele que não está no centro do combate é alçado ao comando.

O Chile também criou uma modalidade de Serviço Militar para as mulheres. Neste caso, porém, revela-se a desigualdade que permanece no interior da sociedade castrense, pois enquanto o serviço militar é obrigatório para os homens, é voluntário para as mulheres. Ao passar por esse serviço, exclusivo do Exército, as soldados podem permanecer na carreira ingressando na Escola de Sargentos. Outra novidade foi o papel fundamental do Parlamento na criação de serviços e incorporação feminina às Forças Armadas, o que não aconteceu nos demais países aqui tratados.42

A mesma cultura patriarcal, autoritária e católica é compartilhada pelo Chile e os demais países da América Latina. Nestas sociedades é muito recente a presença feminina na política. Neste caso, o fato do posto de ministro da Defesa ser ocupado por uma mulher, desnuda o avanço da cultura chilena na temática de gênero. Não que os postos políticos e entre eles, o da Defesa, esteja fechado à presença feminina, mas colocar uma mulher para dirigir politicamente este setor não pode ser esquecido. Também por isso, as Forças Armadas chilenas são consideradas entre as mais modernas da região. O paradoxo é que as análises apontam para o conservadorismo da sociedade chilena, em particular no conteúdo moralista das políticas voltadas para as mulheres.43

No caso chileno, creditamos as mudanças no campo da estrutura militar parcialmente ao tipo de transição do autoritarismo para o governo democrático. Como é sabido, esse país conheceu a ditadura mais próxima das tradicionais ditaduras da região e hoje, sob o segundo governo eleito, continuam em vigor muitas regras originadas do período autoritário. Foi também o caso de transição que teve maior influência externa, tanto de governos quanto de movimentos sociais e, se o governo de transição não conseguiu responsabilizar os militares pelas atrocidades cometidas sob Pinochet, os civis tomaram para si a responsabilidade de reformar as políticas de defesa e militar do país. Nesse aspecto, o papel de Michelle Bachelet foi fundamental.

Em síntese, os seis casos aqui sumariamente analisados representam diferentes formas de incorporação das mulheres às Forças Armadas. Em cada um o papel dos civis e militares dependeu da própria dinâmica dessas relações no processo político, o que também serviu como forma de explicar o grau de incidência do tipo de transição do autoritarismo para o governo democrático sobre o tema. Dos fatores indicados como motivadores da incorporação feminina, defende-se aqui que é o nomeado de psicossocial como o mais influente no que se refere à América Latina.44Esse parece ter sido ainda mais forte naqueles países que, como o Brasil, impedem que as mulheres galguem os postos de comando e que não estabeleceram o serviço militar voluntário.


Considerações Finais

Ao longo dessas páginas, mostrou-se como aconteceu a incorporação das mulheres às Forças Armadas de seis países da América do Sul. O pano de fundo para isso foi o mesmo nos seis casos, razão pela qual defende-se que foram as mudanças mundiais no campo da natureza mesma da guerra e da perda de status da profissão militar diante das sociedades latino-americanas que motivou a entrada das mulheres no mundo castrense.

Alimenta essa visão o fato de que com raras exceções há postos e funções da carreira militar vedados às mulheres. Essas são aquelas diretamente ligadas ao combate, o que reforça a idéia de que a mulher é frágil e não talhada para a guerra, enquanto o homem é guerreiro por natureza. Essa visão esteriotipada está longe de ser superada, ainda que a guerra hoje seja quase uma partida de videogame.

A falta de interesse dos meios civis, particularmente os ligados ao Parlamento dessas sociedades, devem constituir ponto de preocupação, pois refletem a falta de importância emprestada às questões de defesa e segurança, deixando órfãos os insipientes regimes democráticos. De outra parte, os movimentos ligados à defesa de da igualdade de gênero, sequer lembram que existe um setor castrense na sociedade no qual estão presentes homens e mulheres que não apenas estão sendo treinados para a defesa do Estado, mas também vivenciando relações que muitas vezes põem em cheque os papéis de cada um dos indivíduos. Esse desinteresse não tem conseqüências apenas acadêmicas, mas pode vir a significar retrocessos políticos que queremos apagar de nossa história.

Também como foi mencionado, cremos que os casos aqui analisados podem ser generalizados para os demais países da América do Sul, na maioria dos quais foi promovida a incorporação feminina às Forças Armadas. Naqueles em que se processou essa incorporação, mantém-se as mulheres afastadas dos postos combatentes, tornando muito difícil para essas mulheres atingirem postos de comando das respectivas Forças.

Tomando como universo a América Central,45as transições das ditaduras para governos democráticos na região foram muito mais profundas do que as conhecidas na América do Sul, muitas vezes significando a re-fundação da própria sociedade. Os envolvimentos em guerras civis e a amplitude dos conflitos inter e intra-sociais explicam a maior desconfiança social frente às instituições políticas, incluindo as forças armadas. Nos processos de negociação da paz de vários dos países centro-americanos, a reforma das forças armadas esteve no centro do debate, resultando na redução drástica dos efetivos militares e na reformulação de suas doutrinas.

Foi no bojo dessas mudanças mais amplas que aconteceu a incorporação feminina às forças armadas. Esse acontecimento, entretanto, não gerou um debate maior desde uma perspectiva de gênero, como também não significou uma participação significativa da sociedade civil nos assuntos de defesa e militares. O que influenciou o debate e representou uma participação maior da mulher nessas questões foi a criação de comissões internacionais de segurança, que levaram à constituição de Tratados de Segurança na Região, como o Tratado Marco de Segurança Democrática, de 1996.46

Conforme a análise de Gomáriz e García, são insipientes os estudos sobre gênero e segurança. Quando esta relação é feita, pouco se refere à questão das forças armadas e da presença feminina em seu interior. É o pode ser visto a partir de um exame superficial dos Tratados de Segurança pactuados entre os países centro-americanos. A simples leitura desses documentos mostra que não há sequer alusão à mulher, quanto mais às questões de gênero. A menção às mulheres somente é feita para lembrar os governos da responsabilidade em integrar essas mulheres à sociedade, garantindo sua segurança, tomando esta no seu sentido mais amplo – superação da pobreza, garantia de direitos contra a violência doméstica, reintegração civil de guerrilheiras, superação da discriminação sexual legal, etc. Em nenhum momento, mesmo quando trata das reuniões regionais entre as Forças Armadas, é lembrada a questão da presença feminina nas forças armadas.47

Segundo outros estudos, a situação da mulher nas forças armadas da América Central não é diferente das suas congêneres sul-americanas, isto é, naqueles países que possuem forças armadas, as reformas das mesmas reservam algum espaço para a incorporação feminina.48Contudo, há muita resistência em abrir para as mulheres todos os postos e considerar a possibilidade de uma mulher comandar as forças. Por outro lado, essa é uma região de grande influência norte-americana, o que tem redundado na adoção de políticas militares promovidas desde o Pentágono. Portanto, não é difícil imaginar que sob os auspícios do irmão do norte, se este for de seu interesse, promova-se uma modernização das forças armadas dos países centro-americanos que conduzam à igualdade de gênero no meio castrense.

De tudo o que foi dito, resta mencionar que há muito o que fazer nesta matéria, procurando envolver a sociedade civil nas questões não apenas de gênero e forças armadas, mas também incorporando temas mais amplos, como o papel da família e dos movimentos sociais na ampliação da segurança democrática que redundem na formulação de políticas públicas de defesa, de segurança e militares.


1 Para compor esse texto contei com a colaboração de Maria Cecília Oliveira Adão, que compilou boa parte dos dados a respeito da presença feminina nas Forças Armadas brasileiras. Expresso aqui meus agradecimentos a ela, registro que interpretação apresentada é de minha inteira responsabilidade.
2 É preciso registrar o esforço da Fundación Gênero y Sociedad, da Costa Rica, que vem se dedicando ao tema da relação entre gênero e segurança, bem como o esforço individual de pesquisadores, em sua maioria mulheres, de instituições ligadas ao estudo de direitos humanos e de segurança.
3 ROUDIGERO e PLON. Dicionário de Psicanálise. R. J., Jorge Zahar ed., 1998. Verbete “gênero”, p. 291. Citado por MORAES, Maria Lygia Quartim. “Dois estudos sobre cidadania”. Primeira versão nº 109. Campinas, IFCH-UNICAMP, set./2002, p. 41-2.
4 ELSHTAIN, Jean Bethke. Meditations on Modern Political Thought. Masculine/feminine themes from Luther to Arendt. Nova York, Praeger Publisher, 1986, cap. 8.
5, PERROT, Michelle. Os excluídos da História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p.185.
6 No Brasil, por volta da década de 30, com a abertura da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da Universidade de São Paulo, as famílias começaram a cogitar a possibilidade de suas filhas cursarem uma universidade, sem que isso, contudo, significasse necessariamente que no futuro, elas pudessem exercer a profissão para qual estudaram como atividade profissional, ao contrário, cursar uma universidade era mais uma forma de tornar-se uma esposa exemplar mais tarde. TRIGO, Maria Helena Bueno. Os paulistas de 400 anos. São Paulo, Annablume, 2003.
7 MORAES, Maria Lygia Quartim. Feminismo, movimentos de mulheres e a (re)construção da Democracia em três países da América Latina. Primeira Versão nº 121. Campinas, IFCH-UNICAMP, set./2003.
8 ADÃO, Maria Cecília Oliveira. Militância feminina: contradições e particularidades (1964-1974). Dissertação de Mestrado em História. Franca, UNESP, 2002.
9 Embora tida como fator libertador, o uso da pílula anticoncepcional demorou a se popularizar. Como mostra Zuenir Ventura: “Uma pesquisa realizada no então Estado da Guanabara [hoje Rio de Janeiro], entre 1965 e 67, mostrava que 76% das quatro mil mulheres ouvidas usavam todos os tipos de velhos anticoncepcionais – dos diafragmas à raspagem do útero –, menos as pílulas”. Para desmoralizar as militantes políticas presas durante o Congresso da UNE em Ibiúna, foram exibidas as caixas de anticoncepcionais apreendidas junto das participantes. Os militares queriam provar que aquelas mulheres não eram “moças de família” e que estavam ali porque queriam algo mais que discutir questões políticas. VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p.35.
10 SAIDON, Osvaldo. Las Locas de Praza de Mayo. Foro temático de Psicoanálisis. In psiconet.com/foros/egp. Visitado em 10/01/2005.
11 SILVA, Glaydson José. Gênero em questão: apontamentos para uma discussão teórica. Mneme – Revista virtual de Humanidades 5(10), jun./ 2004. Disponível em www.seol.com.br/mneme. Visitado em 05/01/2005.
12 No texto Gênero y Seguridad, Moraga, adotando outra perspectiva, passa em revista os estudos de gênero, em particular aqueles desenvolvidos por ou para os países da América Central. No desenvolvimento da perspectiva de gênero, ele destaca a evolução por meio de três escolas. A primeira é chamada Mulheres em Desenvolvimento, cujo cerne do debate está na promoção da igualdade, superação da pobreza e eficiência das políticas voltadas para as mulheres. Esta escola evolui para a nomeada Gênero e Desenvolvimento, cuja mudança relativamente à primeira está na ênfase que coloca no relacionamento de gênero para a promoção da igualdade, superação da pobreza e eficácia das políticas, neste caso incluindo outros grupos sociais. Finalmente, desenvolve-se a Democracia de Gênero, ou perspectiva Gênero em Desenvolvimento-inclusiva, que defendem a promoção de políticas voltadas para a mulher, mas que incluam também os homens de forma a superar o conflito que muitas visões feministas trouxeram para o centro o debate. Gomáriz, Enrique e García, Ana I. Gênero y Seguridad Democrática. Marco conceptual y critérios metodológicos. San Jose (Costa Rica), Fundación Gênero y Sociedad, s/d.
13 MORAES, Maria Lygia Quartim. “Dois estudos sobre cidadania”. Primeira versão nº 109. Campinas, IFCH-UNICAMP, set./2002.
14 Id., Ib., p. 46.
15 ONU, Conselho de Segurança. Resolução 1325, aprovada em 10/10/2000.
16 PERROT, Michelle. Os excluídos da História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
17 Moraes, Maria Lygia Quartim. Algo de novo na América Latina? Primeira Versão nº 127. Campinas, IFCH-Unicamp, ago/2004, p. 23
18 O’Donnell, Guillermo. Análise do Autoritarismo Burocrático. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.
19 LÓPEZ, Ernesto J. A construção do controle civil: Argentina, Brasil e Chile. In SAINT-PIERRE, Héctor e MATHIAS, Suzeley K. Entre votos e botas: as forças armadas no labirinto Latino-Americano do novo milênio. Franca, UNESP, 2001.
20 Com algumas restrições, particularmente quanto ao profissionalismo militar, poder-se-ia incluir neste grupo o Peru, a Venezuela e a Colômbia, países nos quais o conflito entre civis e militares permaneceu e até aumentou no período pós-ditatorial.
21 MORAES, Maria Lygia Quartim. Feminismo, movimentos de mulheres e a (re)construção da Democracia em três países da América Latina. Primeira Versão nº 121. Campinas, IFCH-UNICAMP, set./2003.
22 QUINTANA, Juan R. Bolívia: cultura estratégica, democracia e Forças Armadas. In D’ARAUJO, Celina e CASTRO, Celso (orgs.) Democracia e Forças Armadas no Cone Sul. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2000.
23 O art. 173 da Carta Constitucional de 1992 proíbe expressamente os militares da ativa de participar politicamente e define como função das Forças Armadas defender a integridade constitucional e as autoridades legitimamente constituídas. Ao fazer isso, como no Brasil, mantém-se a brecha para a intervenção militar na política, pois quem definirá quais as autoridades legitimamente constituídas? As várias tentativas de golpe no Paraguai apontam para o perigo advindo de regras mal escritas.
24 MARTINI, Carlos. O fim da era Stroessner: militares, partidos e a rota para a democracia. In D’ARAUJO, Celina e CASTRO, Celso (orgs.) Democracia e Forças Armadas no Cone Sul. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2000.
25 D’ARAUJO, Celina e CASTRO, Celso (orgs.) Democracia e Forças Armadas no Cone Sul. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2000, p. 17.
26 Os dados foram retirados da PCV – Pesquisa Condições de Vida – realizada em 1998 pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados, SEADE. Disponível em www.seade.gov.br, visitado em 05/01/2005.
27 Folha de S. Paulo, 02/12/2004, p. B-12.
28 IBGE. Censo 2000. Disponível em www.ibge.gov.br, visitado em 05/01/2005
29 Inspiramo-nos aqui no conhecido texto de Pierre Clastres, “O arco e o cesto”, no qual ele descreve a organização de gênero da sociedade Guayaki que pode ser resumida como segue: “A dura lei dos Guayaki não deixa alternativa. Os homens só existem como caçadores, e eles mantêm a certeza de seu ser preservando o arco do contato da mulher. Inversamente, se um indivíduo não consegue mais se realizar como caçador, ele deixa ao mesmo tempo de ser um homem: passando do arco para o cesto, metaforicamente ele se torna uma mulher. Com efeito, a conjunção do homem e do arco não se pode romper sem transformar-se no seu inverso e complementar: aquela da mulher e do cesto.” In A sociedade contra o Estado, São Paulo, Cosac & Naify, 2003, p. 125.
30 TAKAHASHI, Emília E. Homens e mulheres em campo: um estudo sobre a formação da identidade militar. Tese de Doutoramento, FE-UNICAMP, 2002, digit.
31 CARRILHO, Maria. As mulheres e a defesa nacional. Lisboa, Comissão da Condição Feminina, 1990 (Cadernos da Condição Feminina nº 30). A autora relata, por exemplo, dificuldades das mães das recrutas em aceitar a escolha da filha, dizendo que assim ela irá “se perder”, não terá família, etc. Há várias publicações norte-americanas, muitas já transformadas em filmes, que relatam as dificuldades enfrentadas pelas mulheres nos quartéis, seja no relacionamento com seus pares e superiores seja na adequação de sua carreira com sua vida particular (família, companheiro, filhos, etc.).
32 D’ARAUJO, Maria Celina. Mulheres, homossexuais e Forças Armadas no Brasil. In CASTRO, Celso et. al. (orgs.) Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro, FGV, 2004. Em texto apresentado no REDES-2003, a paraguaia Cnel. Gladys Ruiz de Pecci, procurava justamente mostrar como as diferenças biológicas não justificam a discriminação feminina. Tais diferenças devem levar à adaptação da atividade àquele que a realizará. Cf. La incorporación plena de la mujer em las Fuerzas Armadas: diferencial psíquico-fisico. Painel 6 (Sociologia Militar), III Encontro REDES. Santiago (Chile), out./2003, digit..
33 Um pequeno artigo que mostra a cada vez maior impessoalidade na guerra é de CALLIGARIS, Cotardo. Atirar para Matar. Folha de S. Paulo, 13/01/2005.
34 O sucesso aqui referido baseia-se na pesquisa em andamento “Cooperação em defesa entre Argentina e Brasil: a educação como variável estratégica”. Das entrevistas realizadas, a que mais apontou na direção aqui referida foi feita com um general do Exército argentino que pediu para omitir seu nome das referências.
35 DONADIO, Marcela. La incorporación de la Mujer en las Fuerzas Armadas de la Argentina. Texto apresentado no XXV Congresso Internacional da LASA. Las Vegas, out/2004. A análise sobre a situação neste país baseia-se largamente no trabalho de Donadio.
36 A titulo de exemplo, informamos que as Forças Armadas no Brasil são estruturadas hierarquicamente em três escalões: Oficiais de Estado-Maior; Oficiais Superiores e Oficiais Subalternos. No caso do Brasil, não existe um sub-oficialato, o que há são os Praças, escalão que inclui os soldados, cabos, sargentos e sub-tenentes. Apenas os oficiais de Estado-Maior podem exercer o Comando da Força singular. Para pertencer a este quadro, é necessário freqüentar uma das Escolas de Comando e Estado Maior. Na Marinha, para chegar ao Almirantado é necessário cursar a Escola de Guerra Naval (EGN-RJ); no Exército, para chegar ao Generalato é necessário cursar a Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME-RJ), e na Aeronáutica, a Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica (ECEMAR-RJ).
37 A Academia da Força Aérea, primeiro passo para o ingresso na Aeronáutica, abriu suas portas para as mulheres no ano acadêmico de 1996 para a Arma de Intendência, vetando expressamente o acesso feminino às Armas de Infantaria e Aviação. Em 2002, tendo alcançado notas de desempenho expressivas, as ingressantes pediram na justiça sua incorporação às demais áreas com base no dispositivo constitucional da não discriminação por sexo, no que foram atendidas. Segundo entrevista concedida por um coronel-aviador, essa medida da justiça forçou uma mudança que já tardava, pois em muitos quesitos as cadetes se mostravam melhor preparadas do que seus colegas homens para as funções. Também lembrou que havendo bom senso no estabelecimento das tarefas, atentando para as diferenças físicas entre os sexos, não há razão para que as mulheres não sejam alçadas às Armas combatentes, mas enfatizou que esta era uma visão particular, não correspondendo à doutrina das Forças Armadas.
38 D’ARAUJO, Maria Celina. Mulheres, homossexuais e Forças Armadas no Brasil. In CASTRO, Celso et. al. (orgs.) Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro, FGV, 2004.
39 ABILLERA, Luis (cap.) et. al. Personal Superior – masculino y femenino –egresado de la Escuela Militar em el período 2001-2003. Análisis de Resultados. Eventual nuevo destino para el futuro Personal Superior femenino, fundamentos y viabilidad. Uruguai, 2004 (mimeo).
40 Latinobarometro. Informe anual (resumo) 2004. Santiago (Chile), 2004. Obtido em www.latinobarometro.org Visitado em 05/01/2005.
41 Devo essas informações a Juan Ramón Quintana, a quem agradeço. As interpretações são de minha inteira responsabilidade.
42 Observatório Cono Sur de Defensa y Fuerzas Armadas – Informe Chile nº 136, 17/06/2004 a 23/07/2004.
43 MORAES, Maria Lygia Quartim. Feminismo, movimentos de mulheres e a (re)construção da Democracia em três países da América Latina. Primeira Versão nº 121. Campinas, IFCH-UNICAMP, set./2003, p. 21.
44 Tendo como universo todos os países ocidentais, esta visão é defendida por MOSKOS, Charles et. al. no livro The post modern military: armed forces after the Cold War. Nova York, Oxford Uni Press, 2000.
45 Nesta discussão, deveríamos considerar também as nações do Caribe, cuja realidade difere em grande medida da centro-ameircana. Porém, carecemos de conhecimento para arriscar alguma avaliação, daí nos atermos à América Central.
46 GAITÁN, Guillermo A. P. Relações civil-militares nas democracias emergentes da América Central: entre o esquecimento e a esperança. In SAINT-PIERRE, Héctor e MATHIAS, Suzeley K. Entre votos e botas: as forças armadas no labirinto Latino-Americano do novo milênio. Franca, UNESP, 2001.
47 GOMÁRIZ, Enrique e GARCÍA, Ana I. Gênero y Seguridad Democrática. Marco conceptual y critérios metodológicos. San Jose (Costa Rica), Fundación Gênero y Sociedad, s/d.
48 BOBEA, Lilian. Entre el Escudo de Minerva y el Manto de Penélope: la feminización del servicio militar en el Caribe, una práctica dicotomizada. Texto apresentado no REDES 2003. Santiago (Chile), out./2003, digit.