Militares e Parlamento na América Latina: Uma reflexão crítica sobre a função de controle das Comissões de Defesa brasileiras

Daniel Flemes


1. Notas teóricas sobre o contexto institucional na América Latina
2. A defesa como área de política na América Latina
3. Os órgãos de segurança brasileiros
4. Competências e instrumentos das Comissões de Defesa brasileiras
5. Causas das deficiências legislativas e de controle do Poder Legislativo brasileiro na área da Defesa
6. Facit
7. Bibliografia


1. Notas teóricas sobre o contexto institucional na América Latina

Na América Latina, os parlamentos assumem um papel importante para o estabelecimento da supremacia civil nos sistemas presidencialistas do sub-continente (cf., p. ex., Rial/ Tibiletti/ Garreta 2003). As Comissões de Defesa das Câmaras dos Deputados e dos Senados constituem o instrumento-chave para o controle democrático das Forças Armadas por parte do Poder Legislativo. A indicação dos mecanismos aptos a fortalecerem o efeito de controle das Comissões de Defesa nos sistemas políticos da região deveria constituir um objectivo a médio prazo de uma pesquisa sobre a América Latina que, além de politológica, também esteja interessada na relevância prática de seus resultados. Até ao momento, porém, a significação das Comissões de Defesa para as relações civil-militares na América Latina tem sido, paradoxalmente, pouco analisada(1).

Rut Diamint (2001: 9) chama a atenção para a necessidade de desenvolver políticas de defesa democráticas no sentido de ultrapassar as "tensões históricas" entre atores civis e militares na América Latina. Diamint reivindica uma política de defesa planejada e conduzida pelo Estado, depois de este domínio político ter estado, até hoje, sob o signo de relações civil-militares conflituosas. Uma vez que os parlamentos constituem instituições centrais de condução, planejamento e controle políticos, uma política de defesa democrática implica, necessariamente, Comissões de Defesa fortes. Moreno, Crisp e Shugart (2003: 88) explicam a necessidade de submeter o Poder Executivo ao controle parlamentar (e vice-versa) da seguinte forma:
O modelo principal-agent (cf. McCubbins/ Schwartz 1984, Moreno, Crisp e Shugart 2003) pode contribuir especialmente para a ilustração do problema das assimetrias de informação entre o legislador e os atores governamentais, responsáveis pela implementação das leis. Se se empregar, de forma simplificada, a terminologia do modelo principal-agent ao controle parlamentar das Forças Armadas num sistema governamental presidencialista, forma-se o seguinte quadro: o Mandante (sociedade civil) incumbe, por votação, o Agente 1 (Poder Executivo) da formulação política durante um período de legislatura. Os eleitores designam, então, um Agente 2 (Poder Legislativo) para sua representação no sistema político. Através da cadeia de ordens, o Agente 1 (Poder Executivo), por sua vez, incumbe o Agente 1a (Forças Armadas) da defesa do Estado, entre outras funções.

Na cadeia reativa de relacionamentos, os Atores incumbidos devem prestar contas ao Mandante, tal como o Agente 1a se deve explicar perante o Agente 1 e o Agente 2. Outros mecanismos de comunicação, de que o Agente 1a (Forças Armadas) dispõe, são, em primeiro lugar, o lobbying no sentido de fazer valer os seus interesses perante o Agente 2 (Poder Legislativo) assim como, em segundo lugar, as Relações Públicas no sentido de influenciar a formação de opinião do Mandante (sociedade civil).

As Forças Armadas no modelo Mandante-Agente

   
Fonte: Quadro do autor com base em Croissant 2001

Mas há algo de mais delicado do que estes canais de influência adicionais do Agente 1a (Forças Armadas), aliás, não legitimado democraticamente: As já mencionadas vantagens informativas do Agente 1a (Forças Armadas) , sobretudo perante o Agente 2 (Poder Legislativo) no âmbito dos militares e da defesa. No seu ramo, o Agente 1a possui conhecimentos especializados, que pode aplicar estrategicamente ou, então, ocultar do Agente 2. Ações e informações retidas por parte do Agente responsável pela implementação da política podem acabar por descaraterizar políticas governamentais inicialmente consistentes. No setor da defesa, as assimetrias de informação, resultantes da constelação Mandante-Agente, têm efeitos particularmente drásticos. Tal se deve ao fato de, já por outros motivos (p. ex. sigilo), ser desde logo muito ampla a defasagem informativa em benefício das instituições militares altamente especializadas. Se se tomar em consideração a problemática resultante do dilema de Madison, assim chamado por referência a um dos autores da constituição estado-unidense, James Madison (cf. Kiewiet/ McCubbins 1991: 27), pode-se até temer uma inversão involuntária da função de comando político entre o Agente 2 (Poder Legislativo) e o Agente 1a (Forças Armadas). O dilema de Madison consiste na possibilidade de os Agentes aproveitarem a sua posição estratégica para agir em desvantagem do seu Mandante. Na relação entre Mandante (sociedade civil) e Agente 1 (Poder Executivo), o dilema de Madison leva à manipulação dos eleitores através dos eleitos. Na constelação Congresso – Forças Armadas, os efeitos do dilema de Madison minariam, pelo menos, o controle parlamentar sobre as instituições militares ou conduziriam, mesmo, à instrumentalização do Agente 2 pelo Agente 1a ou, respectivamente, à formulação autônoma da política de segurança e de defesa por parte das instituições militares.

Nos parágrafos seguintes, será analisado se o congresso brasileiro consegue um controle efetivo sobre o Exército e faz jus ao seu papel como Mandante deste. Estudos recentes concluem que, apesar de contarem apenas com um escasso poder de disposição, os parlamentos latino-americanos possuem, assim mesmo, um considerável poder de coibir e controlar (cf. Krumwiede/ Nolte 2000). Disso são prova as destituições dos Presidentes do Brasil, da Venezuela, do Equador e do Paraguai, levadas a cabo com sucesso pelos parlamentos nos anos 90. Nos parágrafos que se seguem tornar-se-á claro que esta afirmação geral sobre os órgãos legislativos latino-americanos não têm validade para o setor da defesa.

No passado, cabia aos parlamentos latino-americanos, no contexto das instituições, um papel submisso como "auxiliar de implementação do Poder Executivo". O presidencialismo latino-americano, proveniente da tradição do caudilhismo autoritário, deixava aos órgãos representativos pouco espaço para se desenvolverem. Os sistemas governamentais estavam, desde as declarações de independência, muito mais marcados por Presidentes, mais ou menos carismáticos, bem como pela presença política das Forças Armadas, do que pelos seus parlamentos. A atuação política dos militares é um fator explicativo para o fato de apenas poucos deputados e senadores se ocuparem de questões de política de defesa. Isto porque, nos países do sub-continente, a política militar, de defesa e de segurança é considerada, desde sempre, como um domínio dos generais. No conjunto dos três poderes, o executivo goza, tradicionalmente, de um direito de exclusividade no tratamento de questões de política de defesa (e do exterior). Por conseguinte, a intensificação do controle parlamentar sobre as Forças Armadas nos países latino-americanos enfrenta uma constelação problemática de fatores institucionais e político-culturais.


2. A defesa como área de política na América Latina

Nas democracias ocidentais, os militares constituem um instrumento estatal para a defesa do país. As instituições das Forças Armadas concentram em si o potencial militar de coerção dos Estados para que, por ordem do Poder Executivo, este possa ser mobilizado para a defesa da população contra perigos externos. A garantia da capacidade de defesa, nomeadamente o provimento do bem público segurança externa pressupõe, bem como nas áreas da educação ou da saúde, uma política governamental específica. As Constituições latino-americanas atribuem ao Poder Executivo – com colaboração mais ou menos intensa do Poder Legislativo – a tarefa de elaborar as bases de política de defesa em forma de leis, decretos ou, também, livros brancos, os quais se referem, por exemplo, à missão das Forças Armadas e à elaboração do orçamento militar. O acompanhamento precoce e ativo deste processo pelo parlamento, neste caso sobretudo pelas suas Comissões de Defesa, constitui a base para um controle a posteriori ativo e eficiente.

A prática latino-americana não corresponde, contudo, a este ideal de formação da vontade política nos moldes da democracia representativa. O Poder Executivo reivindica, neste sentido, freqüentemente, um direito de exclusividade sobre "informações sensíveis" provindas do setor da defesa e exige segredo quanto a materiais relativos à "segurança nacional". Esta cultura do segredo em questões de defesa estende frequentemente o seu efeito às comissões de orçamento das instâncias parlamentares de representação popular. O controle da política de defesa e das Forças Armadas sobre o orçamento militar torna-se, desta forma, problemático para os parlamentos. Os governos, sem dúvida, fixam os montantes para os seus orçamentos de defesa. No entanto, tanto para o público como para os parlamentares, é difícil entender de que se compõem as despesas com a defesa. Isto porque permanece em segredo quais subsídios orçamentários são postos à disposição para qual objetivo militar. Não raramente é impedido aos membros do Congresso dar uma vista de olhos nas despesas de armamento, com o simples argumento de que o orçamento do armamento seria controlado pelo próprio governo. Este tipo de (auto-)controle pode, na melhor das hipóteses, garantir a correção jurídica das aquisições de armamento. Contudo, não se deve contar com um controle substantivo das decisões do governo, p. ex., no que respeita à convergência de sistemas de armamento a serem adquiridos e à missão das Forças Armadas.

Uma situação de segurança regional, marcada por cooperação e confiança mútua, levaria, sem dúvida, a maior transparência nas despesas com a defesa (cf. Radseck 2003). Caso houvesse uma convergência estratégica no planejamento de recursos, pelo menos a nível subregional, de modo a que se pudesse aproveitar, de maneira conseqüente, os efeitos sinergéticos, também seria possível promover a transparência no armamento de forma a permitir também aos parlamentos que fizessem jus à sua função de controle.

O que diferencia, então, a segurança externa e a defesa como área de política diversa das de educação ou saúde? Na América Latina, ao contrário dos bens públicos educação e saúde, a segurança externa e a defesa são providas exclusivamente pelo Estado. Esta diferença será particularmente importante para a análise das especificidades macroeconômicas das despesas com a defesa, quando comparadas com o orçamento da educação ou da saúde. No que respeita ao controle parlamentar da política de defesa, há uma outra diferença, mais virulenta, entre o domínio político da defesa e as áreas da educação e da saúde. No contexto latino-americano, não existe uma comunidade científica suficientemente influente para provocar uma discussão pública sobre temas de política de defesa (Rial/ Tibiletti/ Garreta 2003: 4). Em qualquer faculdade de Medicina, Pedagogia ou Ciências Econômicas, discutem-se as políticas públicas de saúde e educação, inclusive os seus efeitos práticos e teóricos para as escolas e os hospitais; professores e médicos participam no debate público. Aos macro-economistas interessa, sobretudo, o efeito destas políticas setoriais sobre o orçamento de Estado. Mas em que faculdade se ocupa qual comunidade científica das políticas de defesa dos países latino-americanos? Temas de política de segurança e defesa são, em parte, tratados nas academias militares da região, como a Escola Superior de Guerra do Rio de Janeiro. Contudo, tanto na ANEPE como na CALEN, acontece que, em aulas e publicações, é dedicada mais atenção às grandes estratégias nacionais. Problemas na formulação das políticas de defesa ou na elaboração dos orçamentos da defesa quase não são discutidos. Instituições puramente acadêmicas como a FLACSO-Chile, SER en el 2000 na Argentina ou a rede regional RESDAL constituem as poucas excepções.

Mais do que a insignificância acadêmica da política de defesa pesa o desinteresse do grande público por questões dessa matéria. A não ser que se trate de conflitos e escândalos, este tema não desempenha um papel importante nem nos meios de comunicação latino-americanos nem no dia-a-dia dos cidadãos. De novo, ao contrário dos bens públicos da educação e da saúde ou da segurança individual, não há procura permanente, pelos cidadãos, dos bens públicos da segurança externa e da defesa. A população só percebe a necessidade de medidas em política de defesa quando vê a possibilidade de uma agressão externa, exigindo o emprego de força militar ou a eficácia do potencial de intimidação a ela inerente. Assim como não se pode falar em exposição dos cidadãos latino-americanos a uma ameaça militar iminente por parte dos países vizinhos (cf. Flemes 2003 a), tampouco se poderá falar da existência de uma cultura estratégica (cf. Flores 2002) para o sub-continente. ‘Cultura estratégica’ significa, aqui, o valor dado por uma sociedade, em sua vivência histórica, à necessidade de manter constantemente sua capacidade de defesa.

Uma consequência lógica da falta de interesse dos eleitores por questões de política de defesa é o desprezo com que os eleitos e, de modo particular, os candidatos tratam do tema. Que programa partidário e que campanha eleitoral da América Latina pode dispensar grandes promessas para melhorar o sistema de educação e saúde? Com temas de política de segurança, pelo contrário, e pelas razões já mencionadas, não se ganham votos na região.


3. Os órgãos de segurança brasileiros

Como em todos os sistemas presidencialistas latino-americanos, também o Presidente brasileiro detém o comando supremo das Forças Armadas nacionais (Forças Armadas Brasileiras). Porém, no Brasil, juntamente com o comandante-em-chefe, também as instâncias de liderança dos Poderes Legislativo e Judiciário decidem, de acordo com o art. 142 da Constituição, sobre a intervenção militar para a "manutenção de direito e ordem". Segundo o art. 136 da Constituição, o Presidente pode decretar o caso de defesa, depois de ter consultado o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. O Congresso brasileiro só pode confirmar o decreto presidencial que declara o caso de defesa com maioria absoluta.

Em 1999, o governo Cardoso criou um Ministério da Defesa dirigido por civis. Os três Ministérios do Exército, da Aeronáutica e da Marinha foram transformados em comandos, cujos chefes, nomeados pelo Presidente, chefiam as três Forças Armadas. Estas, por sua vez, constituem, juntamente com o Ministro da Defesa e o Chefe do Estado-Maior, o Conselho de Defesa Militar, instalado no Ministério da Defesa. Entre as funções do novo Ministério encontram-se, entre outras, a participação do Brasil em operações de paz internacionais, contribuições para o desenvolvimento nacional, a manutenção da ordem pública e a defesa civil (Wöhlcke 1999: 62). No Brasil, juntamente com o Presidente, também são responsáveis pelos militares as seguintes repartições governamentais:

O Sistema da Segurança Nacional do Brasil



Fonte: Quadro do autor

As instituições de segurança até agora descritas constituem, sem excepção, órgãos do Poder Executivo. No seguinte parágrafo será analisado até que ponto estas instituições estão submetidas a um controle parlamentar. Para este efeito, serão apresentadas, em primeiro lugar, as respectivas instituições do Poder Legislativo brasileiro para, a seguir, se averiguar a sua eficiência na percepção da sua função de controle de instituições governamentais e militares.

4. Competências e instrumentos das Comissões de Defesa brasileiras

As Constituições latino-americanas atribuem aos três poderes estatais apenas poderes muito limitados no que respeita ao controle das instituições militares e de segurança. Algumas Constituições latino-americanas mencionam não só o Presidente, a quem cabe constitucionalmente a função de Comandante-em-chefe das Forças Armadas, mas também o Ministro da Defesa. Tal é o caso do Ministro da Defesa brasileiro, que, desde uma Emenda Constitucional realizada em 1999 (EC n°. 23/99), é citado, no art. 91, como membro do Conselho de Defesa Nacional. A função de controle do Poder Legislativo sobre as Forças Armadas permanece, contudo, praticamente sem nenhuma menção nos textos Constitucionais da América Latina.

Responsáveis pelo controle parlamentar das Forças Armadas brasileiras são, respectivamente, uma comissão técnica da Câmara dos Deputados e uma do Senado. Tanto a CREDN (Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional), da Câmara dos Deputados, como a CRE (Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional), do Senado, têm, respectivamente, duas incumbências: relações externas e defesa nacional. Além disso, reúne-se na Câmara dos Deputados a Comissão da Amazônia e Desenvolvimento Regional (CADR), que, de vez em quando, trata também de temas de política de defesa.

Em 1999 foi criada a Comissão Mista do Congresso Nacional, no sentido de controlar as atividades da ABIN. Esta Comissão é constituída pelos líderes da situação e da oposição do Congresso, bem como pelos presidentes das Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, da Câmara dos Deputados e do Senado. O Tribunal de Contas da União examina o orçamento dos serviços secretos.

Nos casos dos Conselhos de Defesa Nacional e da República, pode argumentar-se que é garantido um controle parlamentar, uma vez que os presidentes de ambas as Casas do Congresso são membros destes órgãos constitucionais. No Conselho da República, o Congresso é ainda representado pelos líderes da situação e da oposição de ambas as Casas. Contudo, nem o Gabinete de Segurança (GSI) nem a CREDEN estão sujeitos a um controle parlamentar concreto.

As tarefas e funções das Comissões de Defesa – na medida em que se encontram especificamente estipuladas – constam das leis ou regras de procedimento das Casas do Congresso. Desta forma, são definidas no art. 32 do Regimento da Câmara dos Deputados brasileira as áreas de competência de todas as comissões. À Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) são conferidas, no total, onze áreas de atribuições, das quais cinco dizem respeito, respectivamente, ao âmbito do Exterior e da Defesa, podendo a 11a ser interpretada como uma procuração geral para a intervenção em todas as decisões dos domínios da política externa e de defesa, por atribuir à CREDN a responsabilidade por todas as „outras questões da área", ou seja, da política externa e de defesa (art.32, XI do Regimento Interno da Câmara dos Deputados). As áreas de competência da CREDN relevantes para a política de defesa estão semelhantemente formuladas, de forma abrangente, nos parágrafos anteriores:
Noutros países do sub-continente foram decretadas, para a área da defesa, leis complementares que contêm, em parte, as atribuições de tarefas para as Comissões de Assuntos Exteriores e de Defesa. Na prática parlamentar, porém, as competências de uma Comissão de Defesa podem ser mais abrangentes do que o previsto no regimento. Neste sentido, as Comissões de Defesa da região não se ocupam apenas de temas que afetam diretamente as Forças Armadas, mas também de áreas que, apenas no sentido mais amplo, se podem relacionar com a área da defesa. Desta forma, as Comissões de Defesa de diversos parlamentos latino-americanos têm tratado, entre outros, de questões fronteiriças, problemas da aeronáutica civil, registros regionais e internacionais de armas, bem como de questões relacionadas com os serviços secretos e crises internacionais. Tal aconteceu mesmo que estas áreas não fossem, como o são no caso brasileiro, explicitamente atribuídas às Comissões de Defesa (cf. Rizzo de Oliveira 1999).

Os instrumentos, que podem ser empregados pelos Deputados das Comissões de Defesa brasileiras, no sentido de fazer jus à sua função de controle, não diferem dos de outras Comissões do Congresso. A CREDN não dispõe de faculdades especiais – como, p. ex., a Comissão de Defesa do Parlamento alemão, que se pode constituir, por iniciativa própria, como Comissão de Inquérito para esclarecer acontecimentos suspeitos do setor da defesa (dentro das instituições militares).

A Comissão ou os Deputados individuais podem submeter os atores governamentais, incluindo as Forças Armadas, a um controle parlamentar, através dos seguintes mecanismos. De acordo com o art. 50 da Constituição, o instrumento de controle mais rigoroso consiste na convocação do Ministro da Defesa, uma vez que obriga legalmente o Ministro a comparecer perante a Comissão, embora ele possa recusar a informação. Na prática parlamentar brasileira, porém, este instrumento quase não tem aplicação, sendo, na maioria das vezes, substituído pelo convite do Ministro, formulado de forma amigável, mas que não oferece possibilidade de atuação jurídica e pode dirigir-se a todos os cidadãos brasileiros. Na maioria das vezes, recorre-se às audiências públicas, que, apesar de sua pequena importância formal, constitui o instrumento de controle mais eficiente na prática parlamentar. O Deputado individual pode ainda pedir ao Poder Executivo uma informação específica, relacionada, por exemplo, com a política de defesa. Na verdade, este mecanismo permite apenas questões de conteúdo, que se refiram a fatos e deixa, portanto, pouco espaço para debates políticos. Um outro instrumento, de que dispõem a CRE e a CREDN, consiste em incumbir o Tribunal de Contas da União da análise do financiamento de certos projectos (de armamento). As Comissões do Exterior e da Defesa podem, além disso, criar subcomissões temporárias para visitar e analisar mais aprofundadamente projetos militares individuais, tais como a Calha Norte e o SIVAM. No entanto, normalmente se pressupõe, para visitas a bases militares, um convite da parte das Forças Armadas.

É verdade que, com base nos mecanismos de controle mencionados, generais e colaboradores civis do Ministério da Defesa, em intervalos irregulares, são convidados pela CREDN e pela CRE. No entanto, são ainda raros os casos em que inquéritos do Congresso influenciam, de forma decisiva, a opinião dos representantes do governo ou das instituições militares ou que levam à deteção de irregularidades dentro das instituições militares. Segundo o sistema informativo do Congresso (SICOM), as Comissões do Exterior e da Defesa da Câmara dos Deputados e do Senado realizaram, no total, 123 audiências públicas entre Janeiro de 1997 e Maio de 2003. 28 dessas audiências pura e simplesmente diziam respeito, no sentido mais amplo, às Forças Armadas. Destas sessões relevantes para o controle parlamentar das instituições militares, 24 foram realizadas pela Comissão da Câmara dos Deputados (CREDN), de maneira que, no caso do Senado brasileiro – com quatro audiências em seis anos e meio –, não se pode falar em exercício real da função de controle sobre as Forças Armadas. Segundo as declarações de um membro da consultoria legislativa do Senado, especializado em questões de defesa, a Comissão do Exterior e da Defesa do Senado (CRE) dedica somente 5% das suas atividades a questões de defesa (Stelson Ponce, em entrevista de 6.11.2003). Uma grande parte das 24 audiências realizadas pela CREDN tratava do planejamento do Ministério da Defesa civil, criado em 1999, cuja estrutura organizacional, dominada por atores militares, a Comissão da Defesa não pôde nem impedir nem modificar.

A recém exposta capacidade subdesenvolvida de intervenção das Comissões do Congresso (CREDN, CRE) nos processos legislativos iniciados pelo Poder Executivo pode-se generalizar para toda a área de política da defesa. Não se conhece caso algum da história recente do Brasil, em que o Congresso apareça, na área de política das Forças Armadas e da defesa, como um veto player. Ao caso brasileiro não se aplica um controle parlamentar no sentido de checks and balances, com uma qualificação a priori das leis de iniciativa do Executivo (neste caso, do Ministério da Defesa) mediante bloqueio, modificação ou rejeição.

A imposição de iniciativas legislativas em política de defesa e, portanto, o próprio exercício da função legislativa do Parlamento nesta área, também se afiguram precários: Entre 1989 e 2001, foram apresentados, no Brasil, 313 projetos de lei com relevância a nível de política de defesa. Apesar de a grande maioria deles ser de iniciativa do Legislativo (76%), somente chegaram à forma de lei, neste período de análise de 13 anos, 251 (1,9%) projetos de lei. Por outro lado, são bem mais altas as taxas de êxito para as iniciativas legislativas do Poder Executivo, com 66% (35 leis a partir de 53 projetos de lei), e as do Poder Judiciário, com 50% (8 leis a partir de 16 projetos de lei) (cf. Castro Santos 2002: 2). Da pesquisa parlamentar científica já se sabe, quanto ao caso brasileiro, que projetos de lei apresentados pelo Poder Executivo têm probabilidades claramente maiores de tramitar com sucesso no processo legislativo do que as iniciativas do Congresso (cf. Figueiredo/ Limongi 1999). No entanto, as altas divergências proporcionais entre as hipóteses de sucesso dos projetos de lei do Congresso e as dos outros dois poderes na área de política de defesa mostram que, juntamente com fatores institucionais, também causas atinentes especificamente a esta área de política são responsáveis pelo output subdesenvolvido das Câmaras do Congresso.


5. Causas das deficiências legislativas e de controle do Poder Legislativo brasileiro na área da Defesa

Nos debates do Congresso brasileiro, praticamente não surgem questões relevantes para a área da política de defesa (cf. Rizzo de Oliveira 2002). Uma causa disso e do perfil pouco marcado das Comissões do Congresso para as relações externas e a defesa nacional consiste no fato de inexistir, no público brasileiro, a percepção de perigos para a segurança nacional. O Brasil não se envolveu mais em conflitos no continente americano desde o séc. XIX, de modo que o desenvolvimento histórico do país não contribuiu para a formação de uma cultura estratégica. A Guerra Fria, com o seu potencial de conflito latente para os países da periferia, chegou ao fim. Nem os países vizinhos servem como cenários de ameaça em projeção, nem se delineia no horizonte qualquer corrida ao armamento regional. Pelo contrário, no Sul da América Latina está-se no melhor caminho para criar uma comunidade de segurança (Flemes 2003b) e para institucionalizar, a médio prazo, a cooperação em política de segurança com os parceiros do MERCOSUL. Deveria o Brasil, perante este panorama pacífico, dissolver as suas Forças Armadas nacionais? Não, porque, por um lado, o contexto situativo pode voltar a mudar e, por outro, porque, para além dos regimes estatais nacionais, surgem novos riscos para a política de segurança, os quais poderão ser circunscritos mediante a contribuição dos militares. A título de exemplo mencionem-se a participação em missões internacionais de paz das Nações Unidas, o crime organizado com o tráfico de drogas transfronteiras bem como virulentos riscos referentes aos recursos naturais e ao meio ambiente na bacia do Amazonas.

A ausência de uma cultura estratégica implica, por sua vez, um escasso interesse público no que tange aos militares e à defesa. Isto vale no Brasil tanto para a maioria da população como para o setor relativamente concentrado dos meios de comunicação. E quase nenhum político é eleito para o Congresso Nacional por seus méritos na área da política de defesa, pois a necessidade de formular uma política democrática nesta área não é facilmente compreendida pelo cidadão brasileiro. Por esta razão, os partidos políticos do Brasil também não estão excessivamente interessados em peritos da área de defesa. Um parlamentar que se dedique à política de segurança e defesa, deve estar motivado por algo mais do que a representação do seu distrito eleitoral: em primeiro lugar, um representante do povo dedicado à política de segurança e defesa deve pensar numa dimensão nacional e global e, em segundo lugar, a sua reeleição não deve ser o seu objetivo inarredável. Pelo contrário, este parlamentar deveria estar em condições de despertar o interesse do público e dos políticos em geral pela área da política de defesa.

A maioria dos deputados brasileiros não dispõe, no entanto, de uma independência deste tipo. Em relação à Comissão, pouco prestigiada, da Câmara dos Deputados, Rizzo de Oliveira (1999: 82) observa, de uma forma crítica, ser a mesma constituída preponderantemente por parlamentares extremamente discretos que, além disso, não possuem conhecimentos específicos em política de defesa, exceptuados quase exclusivamente os antigos membros de instituições militares e policiais. A Consultoria Parlamentar também se ressente da falta de peritos em política de defesa. O general do Exército Stelson Ponce, reformado, como único especialista em questões de política de defesa na Consultoria Parlamentar do Senado brasileiro, propôs à reflexão o fato de que, no concurso para a consultoria legislativa, as questões militares e de defesa não são, de forma alguma, tomadas em consideração (Stelson Ponce, em entrevista de 6.11.2003). Conseqüentemente, os deputados do Congresso recorrem, com as suas questões, à Assessoria Parlamentar das Forças Armadas, instalada directamente no Congresso. Aqui, são fornecidas aos deputados informações de primeira mão das áreas militar e de defesa, sem que esteja assegurada a independência e a neutralidade das mesmas. Da mesma forma, o fato de os deputados, nos seus comunicados públicos, declararem os comandantes supremos do Exército, da Aeronáutica e da Marinha, bem como outros altos oficiais, como referências para os seus pontos de vista (Rizzo de Oliveira 1999: 83) parece dever-se ao baixo grau de especialização dos mesmos deputados. Com estas observações se confirma a tese de que a Comissão de Defesa da Câmara dos Deputados legitima, demasiadas vezes, a linha da política de defesa do governo ou das Forças Armadas, sem ter participado anteriormente, de fato, na sua formulação. Marcelo Zero, antigo porta-voz do PT na área da política de defesa atribuiu as escassas atividades de controle a um temor reverencial – ou seja, a uma mescla de medo e respeito de se ocupar de forma crítica com as Forças Armadas –, de que padeceram muitos deputados (Marcelo Zero, em entrevista de 20.10.2003).

Acresce o fato de a política de defesa assumir, na discussão pública, um papel subordinado à segurança pública, problemática percebida como mais urgente(2). Assim sendo, as Comissões do Congresso para a segurança pública beneficiam-se de mais atenção – sem falar no prestígio social de que gozam as Comissões "nobres" do Congresso, como, por exemplo, a responsável pelas questões da Justiça e Constituição – e tal se reflete na probabilidade de reeleição dos seus membros. Estas condições gerais conduziram, no passado, a que os membros das Comissões de Defesa – cuja competência abrange a área de relações internacionais – se empenhassem pela utilização das Forças Armadas para garantir a segurança pública. Igualmente popular – e, por conseguinte, também propugnado em peso pelos deputados em busca de reeleição – é a mobilização do Exército no setor social. Talvez os campos de ação mencionados tenham a sua razão de ser como funções subsidiárias. Mas, com a concentração do debate público nestes aspectos secundários, os campos centrais da política de defesa passam completamente para o segundo plano. As funções centrais das Forças Armadas não são, portanto, objeto de discussão no palco parlamentar.

No Brasil, as áreas militar e da defesa são consideradas, a nível técnico-profissional, como um domínio dos generais. Da mesma forma, em questões políticas do Ministério da Defesa, a cultura política do país atribui ao Poder Executivo uma espécie de direito de exclusividade. Seguindo uma regra pouco tácita, os poderes Legislativo e Judiciário devem adotar uma postura reservada nas políticas externa e de defesa brasileiras. Enquanto o país não se vir envolto num conflito internacional, os deputados e partidos da oposição só raramente se manifestarão de forma controversa sobre temas da política externa ou da defesa. Este fator político-cultural poderia contribuir para a explicação do papel discreto da CRE e da CREDN na estrutura institucional política do Brasil. A contemplação das políticas externa e de defesa como campo de ação exclusivo do governo tornou-se evidente, quando, em 1999, o Congresso rejeitou uma lei sobre a participação do Parlamento no envio de tropas no âmbito das missões de paz da ONU. No Brasil, o Poder Legislativo também não participa da nomeação de generais, como é o caso em muitos países latino-americanos.

Assim, o tratamento das áreas militar e da defesa no Congresso brasileiro restringe-se, como sempre, a uma discussão política desprovida de qualquer relevância para as decisões a serem tomadas. O orçamento militar poderia, no entanto, constituir uma exceção, uma vez que, através de uma fiscalização minuciosa por parte do Poder Legislativo, este poderia realizar um controle efetivo sobre as Forças Armadas. Mas, para isso, seria necessário que o Ministério da Defesa brasileiro se dispusesse a cooperar, fornecendo os números e informações necessários às Comissões do Congresso. Contudo, até agora não se notou tal disponibilidade da parte do governo brasileiro (Zaverucha 2002: 9). O direito público brasileiro não conhece qualquer dever de informação que vá além de meros números, como os prevê, por exemplo, o direito orçamentário alemão. Daí a necessidade de que o Poder Executivo se auto-impusesse mais transparência perante as Comissões do Congresso em questões de orçamento relacionadas com a política de defesa.

Em vez disso, serve-se o Congresso com informações puramente contábeis, sem que estas sejam explicadas ou comentadas. Falta sobretudo a indicação das razões para certos investimentos ou aquisições, o que permitiria aos membros das Comissões avaliarem a conveniência de uma posição de despesas. O ponto mais importante das críticas à política de informação do Ministério perante o Congresso consiste, porém, no fato de não se colocarem os afluxos de armamento num contexto coerentemente definido e estratégico. Sem incluir-se a missão das Forças Armadas e sem ter em consideração o contexto estratégico em que estas se encontram, o controle do orçamento militar transforma-se em mera rotina técnico-administrativa, perdendo o seu significado político. Por outro lado, cabe perguntar se não se estaria superestimando as possibilidades do Ministro da Defesa civil ao responsabilizá-lo pela falta de inclusão do Poder Legislativo nas decisões orçamentárias do Poder Executivo. O seguinte exemplo sugere que, perante a ampla autonomia de ação das instituições militares, o governo brasileiro, com demasiada freqüência, é colocado ante fatos consumados.

Em 1996, a Presidência publicou a Política de Defesa Nacional (PDN), que representa, até hoje, o equivalente dos livros brancos da defesa dos países vizinhos e o quadro oficial do governo para a política de defesa do país. Segundo este documento, as maiores ameaças à segurança do país são o tráfico de droga e o crime organizado. O Exército brasileiro comprou, então, 87 carros blindados do tipo Leopard e 91 do tipo M60A3 (cf. O Globo, 15.10.1997), portanto, sistemas de armamentos desenvolvidos para guerras convencionais, mas absolutamente inadequados para combater o crime organizado e o tráfico de droga. Ou seja, estas aquisições estão em contradição com as prescrições do Poder Executivo para a política de segurança. Quando, em 1997, a Marinha apresentou a aquisição de 23 aviões de combate do tipo A-4, vindos do Kuwait, como projeto já realizado, o Presidente Cardoso aprovou-a posteriormente, sem primeiro ter consultado as respectivas instituições de segurança dos poderes Executivo (CREDEN, CDN) e Legislativo (CREDN, CRE). Em seguida, a Marinha chamou a atenção para o fato de ser necessária a compra de um porta-aviões para a utilização eficiente dos caça-bombardeiros. Apesar de se dever considerar estas aquisições de armamento também como algo incoerente com a PDN – mesmo sem porta-aviões se conseguiria levar a cabo a função aí definida da „defesa do território marítimo" do país – o Ministro da Defesa Quintão apoiou, por fim, a prestigiosa aquisição do porta-aviões São Paulo.

Contrastando com o papel fraco do Poder Legislativo no controle (do orçamento) militar, a posição das Forças Armadas dentro do Congresso é tradicionalmente forte. Como já foi mencionado, as instituições militares dispõem de assessorias parlamentares próprias, que se consideram de fato como representantes dos interesses das Forças Armadas no Parlamento, realizando, portanto, uma pronunciada atividade de lobby. O Ministério da Defesa e, respectivamente, as Forças Armadas, fazem-se presentes no Congresso brasileiro com quatro representações de interesses. O Exército, a Aeronáutica e a Marinha dispõem, tal como o Ministério, respectivamente, da sua própria sala no edifício do Congresso para fazer valer os interesses específicos das suas instituições dentro do Poder Legislativo. Nas Comissões, os oficiais buscam adesões para seus interesses ou entram em contato com os Deputados no lobby do Congresso. Quem parece trabalhar de forma mais eficiente é a assessoria parlamentar do Exército (Castro Santos 2001: 13). Esta é constituída por quatro grupos de trabalho coordenados. Um destes acompanha as Propostas de Emenda à Constituição (PEC), dois outros observam os processos legislativos na Câmara dos Deputados e no Senado e o quarto grupo está finalmente estacionado no quartel general do Exército para fornecer aos outros três informações e instruções do comando militar. Os três grupos de trabalho estabelecidos no Congresso selecionam os projetos de lei por cuja tramitação as Forças Armadas se interessam, e, em seguida, o comando do Exército, após um exame substantivo e processual, decide se os escritórios das Forças Armadas no Congresso deverão propugnar a aceitação ou a rejeição do projeto de lei.. Os oficiais de intermediação desenvolvem, então, uma estratégia de ação, para o acompanhamento do projeto de lei em todas as fases do processo legislativo, de acordo com as respectivas instruções.

Considera-se que o lobby militar trabalha de forma mais eficiente do que os seus pares civis no Congresso brasileiro. Além disso, os oficiais de intermediação têm a vantagem de uma grande flexibilidade política, uma vez que não estão ligados a partidos políticos e podem agir sem compromissos, de acordo com as suas esferas de interesses. Nos últimos anos, o lobby militar interveio, na maioria das vezes, em questões de orçamento, papel das Forças Armadas na Amazônia, bem como na problemática da Anistia para os crimes conexos do regime militar e particularmente no tocante às indenizações para as vítimas do regime militar. O uso de influência, particularmente no último campo temático mencionado, é extremamente problemático devido a, pelo menos, dois tipos de razões: em primeiro lugar, não se pode esperar das Forças Armadas, neste caso, um juízo objetivo e, em segundo lugar, para representar os seus interesses no processo legislativo, as vítimas da repressão não têm à sua disposição uma organização profissional semelhante e financiada por cofres públicos. A questão da legitimidade do financiamento público do lobby militar coloca-se, naturalmente, no contexto de concorrência com outros grupos de interesse, cuja importância sócio-política não deveria ser inferior à das Forças Armadas, tais como organizações de defesa dos direitos humanos, sindicatos, movimentos de trabalhadores rurais sem terra, organizações da população indígena etc.

Desde a sua criação, o Ministério da Defesa dirigido por civis deveria, na verdade, coordenar e controlar as atividades de lobby das Forças Armadas no Congresso, para manter em seus limites os interesses particulares de cada uma das Forças Armadas. No entanto, já na aprovação do orçamento de 2001, esta suposição se revelou errada. Isto porque, na votação do orçamento, o Ministro da Defesa se mostrou surpreendido com a divergência em relação à distribuição, previamente estipulada, dos recursos a cada uma das Forças Armadas. Posteriormente, verificou-se que esta alteração no orçamento se deu em decorrência da atividade individual de lobby de um oficial de intermediação da assessoria parlamentar do Exército – evidentemente a favor deste último, representado pelo oficial (Castro Santos 2001: 16). Aqui surge também um problema de legitimidade democrática. Porque, aparentemente, os lobbys instalados no Congresso não têm, necessariamente, de representar os interesses do Ministério da Defesa e, portanto, do Poder Executivo, do qual fazem parte institucionalmente.


6. Facit

As Comissões de Defesa do Congresso brasileiro não exercem um suficiente controle efetivo sobre as instituições militares do país(3). O mesmo acontece com outros órgãos de segurança nacionais, como o GSI, juntamente com a ABIN ou a CREDEN, que podem agir da maneira mais autônoma possível e, assim, participar na formulação das políticas de segurança e de defesa nacionais sem o empecilho de alguma intervenção da representação parlamentar do povo.

Se, por um lado, é notável o esforço da Câmara dos Deputados através da CREDN em fazer jus à sua função de controle no setor da defesa, o mesmo não se pode dizer em relação à CRE do Senado, que tem de ser avaliada como "uma falha total". Afinal, nos últimos sete anos, esta Comissão realizou, em média, menos de uma audiência por ano com referência direta à política de defesa. A probabilidade de possíveis ocorrências irregulares dentro dos órgãos de segurança do Poder Executivo permanecerem ocultas é, no Brasil, desproporcionalmente alta.

Apesar de a situação institucional de partida não apresentar um nível ótimo, (posição fraca do Poder Legislativo na estrutura institucional, Comissões de Defesa sem enraizamento na Constituição, Comissões de Defesa sem poder para desempenhar a função de Comissões Parlamentares de Inquérito, Poder Executivo sem obrigação de informar detalhadamente sobre a política orçamentária, excesso de atribuições das Comissões do Exterior e da Defesa responsáveis por assuntos de dois ministérios), as causas para o escasso controle parlamentar sobre os militares estão, em primeira linha, ligadas a fatores político-culturais e constelações sociais:

Nas razões apresentadas para a insuficiência do controle parlamentar sobre a área militar encontram-se, simultaneamente, as causas para o fato de as instituições militares disporem, no setor da defesa, de informações exclusivas, que lhes garantem esferas de decisão e de ação autônomas. Estas assimetrias de informação, resultantes do conhecimento técnico militar, tornam possível aos atores militares – seguindo o Modelo Mandante-Agente – não levarem em consideração nem o Congresso brasileiro nem o governo federal, possibilitando inclusive que estes últimos nem se apercebam do fato. Devido à vantagem de que desfrutam quanto às informações disponíveis, as Forças Armadas brasileiras estariam potencialmente em condições a) de inverter a função de comando em política de defesa entre o Congresso (Agente 2), respectivamente o governo (Agente 1) e elas próprias (Agente 1a), e b) de formular a política de segurança e defesa nacional de forma relativamente autônoma. O dilema de Madison torna evidente, em primeiro lugar, que a política agora formulada pelos próprios militares pode estar em contradição com os objectivos políticos do governo civil e, em segundo lugar, que, sob estas condições, o controle parlamentar sobre as Forças Armadas não é realizável.

A influência duradoura exercida pelos militares brasileiros sobre o processo legislativo é um dos elementos integrantes do cenário em que – dada a correspondente vontade política para tanto – eles ocupam um papel dominante na formulação das políticas de segurança e de defesa. Também favorece o trabalho lobbyista profissional, decidido e pautado por objetivos claros, realizado por cada uma das Forças Armadas no Parlamento, é relativamente independente do governo. Comparativamente falando, o efeito obtido pelo trabalho de lobby das assessorias parlamentares militares sobre o processo legislativo no setor da defesa no Congresso brasileiro é maior do que a influência exercida pelas Comissões de Defesa do Congresso sobre as decisões dos comandos supremos das Forças Armadas. Assim, no setor de defesa brasileiro, a inversão da função de comando entre Mandante e Agente já é, em parte, uma realidade.


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(1) Três excepções são dignas de nota: Druetta, Gusatvo (1988): Diputados y defensa: radiografia de un poder tenue, Buenos Aires.
Tibiletti, Luis/ Ugarte, José Manuel (1990): El rol de las comisiones de defensa parlamentarias como ámbito de interacción civico-militar: ideas para fortalecer dicho rol, Buenos Aires.
Martínez, Pablo (2002): La reestructuración de las fuerzas armadas y el rol del congreso: la experiencia argentina, CHDS/ UDAPDE, La Paz. 

(2) Perante a tendência, especialmente da administração de F. H. Cardoso, de utilizar o Exército brasileiro no interior do país para combater o crime organizado e reprimir conflitos sociais, e tendo em vista o debate daí resultante em torno da utilização das Forças Armadas para a manutenção da segurança pública (cf. Zaverucha 2002), existe, ainda, a ameaça de mistura, na discussão pública, entre as áreas da segurança pública e da política de defesa, dificultando o enfoque de questões propriamente de política de defesa.

(3) À primeira vista, parece que este déficit de controle do Poder Legislativo no setor da defesa também se pode afirmar de outros sistemas presidencialistas da América. Também no caso norte-americano se pode constatar uma ampla autonomia das instituições de segurança nacionais em relação ao Poder Legislativo (sobretudo depois de 11 de Setembro de 2001). Contudo, ainda faltam resultados a partir da análise parlamentar comparativa para esta área. Independentemente de uma reflexão comparativa, que cada vez mais leva em conta as particularidades do sistema presidencialista (latino-)americano, a prática parlamentar brasileira no setor da defesa fica bem aquém dos princípios normativos da teoria democrática (cf. por exemplo Mainwaring/ Welna 2003).